Desde 1974, uma lei que não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988 ainda obriga Policiais Militares a contribuirem com 2% de seus vencimentos a título de assistência médico-hospitalar e odontológica de seus dependentes.
Introdução
A Polícia Militar do Estado de São Paulo possui mais de 90 mil homens e mulheres em seus quadros, que demandam uma assistência à saúde integral e de qualidade a si próprios e a seus dependentes.
Ocorre que lei já reconhecidamente inconstitucional continua sendo utilizada para a cobrança compulsória de percentual dos vencimentos dos Policiais Militares, ainda que nunca tenham – em muitos casos – se beneficiado de qualquer serviço relacionado a tal contribuição.
1. Caixa Beneficente da Polícia Militar e Associação Cruz Azul
A Caixa Beneficente da Polícia Militar do Estado de São Paulo (CBPM) é entidade previdenciária, médico-hospitalar e odontológica de natureza autárquica, que possui personalidade jurídica e patrimônio próprio.
A Associação Cruz Azul de São Paulo, por sua vez, é uma instituição privada com fins beneficentes, filantrópicos e educacionais, que atende os beneficiários da Caixa Beneficente da Polícia Militar, conforme estabelecido no artigo 30 combinado com o inciso I do artigo 32, bem como nos incisos I, II, III e IV do artigo 6º da Lei Estadual nº 452, de 2 de outubro de 1974.
Nesse sentido, é cobrado mensalmente – dos salários brutos dos Policiais Militares ativos e inativos – uma quantia de 2% (dois por cento) e das Pensionistas uma quantia de 1% (um por cento), obrigatoriamente, para cobrir os custos com assistência médica dos dependentes legais dos servidores militares (e não dos PM).
Esses valores são transferidos para a Associação Cruz Azul. Essa dedução é realizada por meio do código 070.018.
Como resultado desse desconto nos vencimentos dos policiais, todos os servidores e pensionistas são obrigados a se associarem à empresa privada chamada Cruz Azul de São Paulo, que tem como objetivo fornecer benefícios relacionados à saúde, além de ter um caráter filantrópico e educacional.
Em regra, a Cruz Azul possui hospital e ampla gama de serviços à saúde disponível, apenas, na Capital do Estado; atualmente, algumas poucas cidades do interior passaram a contar com parcela desses serviços.
A fim de suprir a falta de atendimento médico-hospitalar e odontológico a seus dependentes, os Policiais Militares que vivem no interior do Estado são obrigados a contratar outro plano de saúde, sem qualquer possibilidade de aproveitamento do convênio imposto com a Cruz Azul através da Caixa Beneficente da Polícia Militar.
2. Da inconstitucionalidade da contribuição compulsória à CBPM/Cruz Azul
Inconstitucional a instituição de contribuição compulsória para fins de assistência médica, sendo que o artigo 149, § 1º da Constituição Federal, após a edição de EC 41/03, autorizou a instituição de contribuição pelos Estados, DF e Municípios apenas para fins previdenciários, porquanto a associação do servidor à assistência médica da CBPM deve ser facultativa:
Art. 149 § 1º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, por meio de lei, contribuições para custeio de regime próprio de previdência social, cobradas dos servidores ativos, dos aposentados e dos pensionistas, que poderão ter alíquotas progressivas de acordo com o valor da base de contribuição ou dos proventos de aposentadoria e de pensões.
Nesse sentido:
APELAÇÃO. POLICIAL MILITAR. Contribuição para assistência médico-hospitalar e odontológica. Exclusão da Associação Cruz Azul de São Paulo do pólo passivo da demanda. Impossibilidade de se atribuir caráter compulsório à contribuição instituída pela Lei Estadual nº 452/74. Compulsoriedade da contribuição em questão que não foi recepcionada pela Constituição Federal. Violação aos artigos 5º, inciso XX e 149, § Io, da CF. Cessação dos descontos devida. Restituição apenas das importâncias descontadas após a citação, nos termos do art. 219, do CPC. Procedência parcial da ação. Recurso da Cruz Azul provido, negado provimento ao recurso da CBPM e provido em parte o reexame necessário Policial Militar – Caixa beneficente – Cruz Azul -Legitimidade – A Lei Estadual nº 452/74 foi recepcionada pela Constituição da Republica, não sendo inconstitucional. O policial militar não tem vínculo com a Cruz Azul, que é conveniada com a Caixa Beneficente da Polícia Militar, de forma que não há como se desligar daquilo com o que não é ligado. Não tem a Cruz Azul legitimidade para figurar no polo passivo da demanda. Recursos providos (TJ-SP – APL: 990102502031 SP, Relator: Vera Angrisani, Data de Julgamento: 21/09/2010, 2ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 27/09/2010)
Inquestionável, ainda, a ofensa ao princípio da liberdade de associação previsto na Constituição:
Art. 5º…
XX – Ninguém poderá ser compelido a associar-se ou permanecer associado;
3. Da continuidade abusiva da cobrança da contribuição à Cruz Azul
Essa mesma questão da inconstitucionalidade dos dispositivos da Lei Estadual 452/74 já foi enfrentada pelo Órgão Especial do TJSP. Infelizmente, entretanto, os efeitos da declaração prevaleceram, apenas, no âmbito daquele processo. Nesse sentido:
CAIXA BENEFICENTE DA POLÍCIA MILITAR. Assistência médica e odontológica prestada pela Associação Cruz Azul de São Paulo. Ilegitimidade passiva da Cruz Azul de São Paulo. Caracterização. Contribuição de 2% dos vencimentos e proventos. Obrigatoriedade prevista na lei Estadual nº 452/74. Incompatibilidade com a Constituição Federal de 1988. Sistema de saúde que não pode ser de filiação obrigatória. Entendimento já adotado pelo Órgão Especial, no Incidente de inconstitucionalidade nº179.355.0/1. Pedido parcialmente procedente. R. sentença reformada, em parte. Recurso parcialmente provido. (TJ-SP – APL: 994071894077 SP, Relator: Paulo Galizia, Data de Julgamento: 08/11/2010, 10ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 25/11/2010)
Por fim, há que se esclarecer que a Caixa Beneficente da Polícia Militar, quando instada a providenciar a exclusão do associado de seus quadros e cessar o respectivo desconto da mensalidade compulsoriamente cobrada do policial militar, esclarece que “não poderá atender ao pedido de cessação da contribuição de Assistência Médica, por falta de amparo legal nos termos do artigo 32 da Lei nº 452/74.”
Conclusão
Evidencia-se, portanto, a necessidade de se à JUSTIÇA para fazer cessar tal contribuição, inconstitucional e, em muitos casos, inútil ao Policial Militar e seus dependentes.
#caixabeneficente #cbpm #cruzazul #policialmilitar #policiamilitar