Introdução
A prescrição é um conceito essencial no direito, funcionando como um limite temporal para que alguém possa exigir sanções ou reivindicar direitos em um processo judicial ou administrativo. No contexto disciplinar da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a prescrição estabelece o prazo máximo no qual a instituição pode aplicar sanções a advogados que cometeram infrações éticas ou disciplinares.
Esse prazo visa proteger a segurança jurídica, evitando que profissionais fiquem sujeitos a processos e penalidades indefinidamente. Além disso, incentiva a celeridade processual, garantindo que as investigações e julgamentos ocorram enquanto os fatos ainda estão recentes, o que facilita uma apuração justa e precisa.
A prescrição é matéria de ordem pública e, portanto, pode e deve ser declarada a qualquer momento, inclusive, de ofício, também no âmbito dos processos disciplinares da OAB.
Prazos de Prescrição nos Processos Disciplinares da OAB
Os prazos de prescrição nos processos disciplinares da OAB são definidos com base em parâmetros específicos, considerando a necessidade de uma resposta eficiente da instituição e a proteção do direito à defesa dos advogados. No âmbito disciplinar, o Estatuto da Advocacia e da OAB – EAOAB (Lei nº 8.906/1994) estabelece que as infrações éticas sujeitam-se a um prazo prescricional de cinco anos, contados a partir da data de constatação oficial do fato.
Esse prazo é conhecido como prescrição da pretensão punitiva e visa assegurar que a investigação e a eventual punição ocorram em um período razoável, garantindo que a apuração dos fatos ainda possa ser feita de maneira eficaz e que o advogado envolvido tenha a possibilidade de se defender de forma justa.
Em complemento, existe a prescrição intercorrente, que regula a duração máxima dos processos em andamento. Essa modalidade de prescrição ocorre quando um processo disciplinar, já instaurado, permanece sem qualquer movimentação ou decisão por mais de três anos.
Esse prazo busca evitar que processos em tramitação fiquem paralisados indefinidamente, impedindo que a falta de uma resolução concreta prejudique tanto a segurança jurídica do advogado quanto a efetividade da própria instituição. Nesse caso, o processo deve ser arquivado automaticamente ou a pedido do advogado envolvido, sendo permitida ainda a apuração de responsabilidades pela paralisação, quando cabível.
Ambas as modalidades de prescrição refletem a preocupação do legislador em manter a eficiência e celeridade nos processos disciplinares da OAB, além de assegurar que advogados não fiquem indefinidamente expostos a acusações e penalidades sem um desfecho justo e fundamentado.
Interrupção da prescrição à pretensão punitiva
Nos processos disciplinares da OAB, existem condições específicas que podem interromper ou suspender o prazo prescricional, alterando assim o tempo de validade da pretensão punitiva contra o advogado. Essas condições, detalhadas no §2º do Art. 43 do Estatuto da Advocacia, garantem que o prazo de prescrição não avance em casos onde há movimentação significativa no processo ou decisões pendentes em instâncias superiores.
A interrupção da prescrição da pretensão punitiva ocorre em 5 anos, considerados como marcos interruptivos:
Art. 43 […]
§ 2º A prescrição interrompe-se:
I – pela instauração de processo disciplinar ou pela notificação válida feita diretamente ao representado
Em suma, tem-se que eventual notícia transgressional praticada em tese pelo advogado deve resultar – a partir da data dos supostos fatos – em instauração do processo disciplinar (quando o processo disciplinar é instaurado de ofício pela OAB) ou notificação ao representado (quando a notícia transgressional é reportada por particular ou autoridade, através de representação).
Qualquer um desses dois eventos interrompe a prescrição. Portanto, passados mais de 5 anos da data dos fatos transgressionais sem que a OAB tenha adotado alguma dessas providências disposta no inc. I, configura-se a prescrição da pretensão punitiva, que ocorre uma única vez no processo disciplinar do TED da OAB, prevalecendo aquela que ocorrer primeiro – instauração de ofício ou notificação do advogado.
Como exemplo, imagine-se advogado que tenha violado sigilo profissional – a partir da data da suposta falta disciplinar e no prazo de 5 anos, de ocorrer uma das duas hipóteses previstas no inc. I do art. 43.
Recurso n. 49.0000.2020.008814-1/SCA-PTU. […] EMENTA N. 040/2022/SCA-PTU. Recurso ao Conselho Federal da OAB. Artigo 75, caput, do Estatuto da Advocacia e da OAB. Prescrição da pretensão punitiva. Artigo 43 do Estatuto da Advocacia e da OAB. Processo disciplinar instaurado de ofício. Transcurso de lapso temporal superior a 05 (cinco) anos entre a decisão de instauração do processo disciplinar e a primeira decisão condenatória recorrível de órgão julgador da OAB. Precedente firmado pelo Pleno da Segunda Câmara e pelo Órgão Especial do Conselho Pleno, no sentido de que a interrupção do curso da prescrição da pretensão punitiva, ou prescrição quinquenal, nos termos do inciso I, do § 2º, do artigo 43 do Estatuto da Advocacia e da OAB, somente ocorrerá uma única vez, seja pela instauração do processo disciplinar, hipótese em que o processo é instaurado de ofício, ou pela notificação inicial válida, feita ao advogado, para apresentar defesa prévia ou qualquer outra manifestação nos autos, sendo considerado como marco interruptivo apenas aquele que verificar primeiro. […] Brasília, 21 de junho de 2022. Marina Motta Benevides Gadelha, Presidente. Márcio Brotto de Barros, Relator. (DEOAB, a. 4, n. 886, 1º.07.2022, p. 1).
Esse mesmo prazo de 5 anos – agora contado dos marcos interruptivos instauração ou notificação, conforme o caso – é o tempo que a OAB tem para decidir o processo disciplinar.
Nos casos em que houver condenação recorrível, entretanto, tem-se nova interrupção do prazo prescricional e novo prazo de 5 anos para decisão final.
Art. 43 […]
§ 2º A prescrição interrompe-se: […]
II – pela decisão condenatória recorrível de qualquer órgão julgador da OAB.
No mesmo exemplo anterior, imagine que o advogado foi notificado pela OAB para apresentar manifestação preliminar. Esse, portanto, o marco interruptivo inicial da pretensão punitiva. Em até 5 anos, a partir desse evento, a OAB deve emitir decisão que, se for condenatória, dá início à contagem de novo prazo para decisão final. Em tese, nesse caso, poder-se-ia pensar em um processo disciplinar com quase 10 anos de apuração, de fato ocorrido há aproximadamente, 15 anos – 5 anos para instauração ou notificação, 5 anos para decisão condenatória recorrível e 5 anos até decisão final. Particularmente, não parece um prazo razoável para a duração de um processo disciplinar, contrariando a lógica do princípio insculpido na Constituição Federal:
Art. 5º […] LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
Ainda que o EAOAB não trate do prazo da prescrição executória, a jurisprudência da OAB é no sentido de que adota-se, à partir da decisão condenatória irrecorrível, o mesmo prazo de 5 anos para o cumprimento da sanção imposta.
Recurso n. 49.0000.2023.009437-7/SCA-TTU. […] EMENTA N. 048/2024/SCA-TTU. Recurso ao Conselho Federal da OAB. Revisão de processo disciplinar. Provimento cautelar concedido. Prescrição da pretensão executória. Construção jurisprudencial do Conselho Federal, em analogia ao art. 43, caput, do Estatuto da Advocacia e da OAB, no sentido de que a OAB tem o prazo de até 05 (cinco) anos para executar a sanção disciplinar, a contar de seu trânsito em julgado. Precedentes. Recurso provido, para declarar extinta a punibilidade do advogado no Processo Disciplinar n. 2609/2013, pela prescrição executória da sanção disciplinar. Possibilidade de aplicação excepcional do art. 112, I, do Código Penal, por ausência de regulamentação específica no que toca à prescrição executória. […]. Brasília, 26 de março de 2024. Milena Gama Canto, Presidente. Huascar Mateus Basso Teixeira, Relator
Da interrupção da prescrição intercorrente
Com esses mecanismos, a OAB busca equilibrar a continuidade dos processos disciplinares com a proteção do direito do advogado a uma tramitação que respeite prazos justos e razoáveis. A interrupção do prazo, portanto, é uma ferramenta para garantir que o processo alcance um desfecho final e fundamentado, evitando que estratégias protelatórias esgotem o prazo prescricional de forma prematura.
A Lei nº 8.906/1994 estabelece que:
Art. 43. […] § 1º Aplica-se a prescrição a todo processo disciplinar paralisado por mais de três anos, pendente de despacho ou julgamento, devendo ser arquivado de ofício, ou a requerimento da parte interessada, sem prejuízo de serem apuradas as responsabilidades pela paralisação. (grifou-se)
No mesmo sentido, a Súmula 01/2011 do Conselho Federal da OAB, que expressamente dispõe:
III – A prescrição intercorrente de que trata o §1º do art. 43 do EAOAB, verificada pela paralisação do processo por mais de três (3) anos sem qualquer despacho ou julgamento, é interrompida e recomeça a fluir pelo mesmo prazo, a cada despacho de movimentação do processo (grifou-se)
Importante destacar, contudo, que a Lei nº 8.906/1994 – bem como a Súmula 01/2011 CFOAB –não estabeleceu marcos interruptivos claros e inequívocos à prescrição intercorrente – assim como o fez no caso da prescrição da pretensão punitiva – tendo, contudo e à evidência, instado o órgão julgador a não permitir que o processo permanecesse inerte, sem movimentações no sentido da decisão final. Nesses termos:
Recurso n. 25.0000.2021.000130-6/SCA.[…]. EMENTA N. 033/2023/SCA. Recurso ao Pleno da Segunda Câmara do Conselho Federal da OAB. Artigo 89-A, § 3º, do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB. Acórdão unânime da Terceira Turma da Segunda Câmara. Prescrição intercorrente. Inexistência. A prescrição intercorrente tem por fundamento a paralisação absoluta do processo disciplinar por mais de três anos, pendente de despacho ou julgamento, desconsiderados os atos processuais meramente ordinatórios, importando anotar que não possui marcos interruptivos fixos em seu curso, coibindo o legislador que o órgão julgador da OAB negligencie a condução do processo disciplinar. Dessa forma, terá sempre por marco inicial o último ato processual praticado, vindo a ser interrompida, consequentemente, pelo ato processual posterior, excetuados aqueles meramente ordinatórios, que não interrompem a fluência de seu curso. No caso dos autos, houve a efetiva movimentação processual, razão pela qual o acórdão recorrido rejeitou a prescrição arguida. […] . Brasília, 16 de outubro de 2023. Milena da Gama Fernandes Canto, Presidente. Cláudia Lopes Medeiros, Relatora ad hoc. (DEOAB, a. 5, n. 1213, 23.10.2023, p. 3).(grifou-se)
Há que se observar, portanto, que nem todo tipo de despacho ou decisão são aptos, por si só, a interromperem o prazo prescricional. Em outras palavras, um mero despacho ordinatório, por exemplo, não é hábil a interromper o prazo da prescrição intercorrente Isso por que a prescrição é instrumento de justiça que pune a inércia daquele que, podendo (e devendo) atuar determinada pretensão, omite-se.
In casu, a OAB, diante do seu poder-dever de punir o advogado infrator, deve submeter-se a regras claras e inequívocas voltadas à regularidade e eficiência processual. Havendo desídia nesse mister, natural a ocorrência da prescrição, sendo minimamente imoral a aceitação de que atos meramente formais e que não impulsionam a representação a um deslinde possam resultar na interrupção da prescrição intercorrente.
Nesses sentido, a jurisprudência dos Tribunais de Ética e Disciplina (TED) da OAB:
Recurso n. 49.0000.2020.005181-2/SCA-STU. […]. EMENTA N. 049/2021/SCA-STU. Recurso ao Conselho Federal da OAB. Prescrição intercorrente. Transcurso de lapso temporal superior a 03 (três) anos de absoluta paralisação do processo disciplinar, pendente o julgamento de recurso pelo Conselho Seccional, desconsiderando-se como marco interruptivo do curso da prescrição intercorrente os despachos ordinatórios (ou de mero expediente), como a redesignação de relator, nos termos dos precedentes deste Conselho Federal da OAB. Recurso provido para declarar extinta a punibilidade pela prescrição intercorrente. […]. Brasília, 17 de maio de 2021. Carlos Roberto Siqueira Castro, Presidente. Aniello Miranda Aufiero, Relator. (DEOAB, a. 3, n. 603, 19.05.2021, p. 20).
Pedido de Revisão n. 25.0000.2022.000294-6/SCA. […] EMENTA N. 017/2022/SCA. Revisão de processo disciplinar. […] 02) Quanto ao mérito, os precedentes deste Conselho Federal da OAB são pacíficos no sentido de que os despachos de mero expediente (atos meramente ordinatórios), como a redesignação de relator ou a redistribuição do processo disciplinar em razão da renovação do Conselho Seccional da OAB, não são considerados para fins de interrupção do curso do prazo prescricional intercorrente. 03) Assim, transcorrendo lapso temporal superior a 03 (três) anos entre a primeira designação de relator para julgamento e o efetivo julgamento, resta prescrita a pretensão punitiva pela prescrição intercorrente, não sendo considerado o despacho que determinou a redistribuição do processo, em razão da renovação do Conselho Seccional. 04) Revisão do processo disciplinar deferida, confirmando-se o provimento cautelar outrora concedido, para declarar a extinção da punibilidade pela prescrição intercorrente no processo revisando. […]. Brasília, 20 de setembro de 2022. Milena da Gama Fernandes Canto, Presidente. Paulo Cesar Salomão Filho, Relator. (DEOAB, a. 4, n. 948, 28.09.2022, p. 2) (grifou-se)
Igualmente, o entendimento da Justiça Federal no exercício do controle de legalidade das decisões disciplinares da OAB :
ADMINISTRATIVO. OAB. PROCESSO DISCIPLINAR. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. PRAZO TRIENAL. INTERRUPÇÃO SOMENTE POR DESPACHO OU JULGAMENTO. APELAÇÃO DESPROVIDA. 1. A questão devolvida a esta E. Corte diz respeito à prescrição intercorrente no processo disciplinar da OAB. 2. Dispõe o art. 43, § 1º, da Lei nº 8.906/94: “aplica-se a prescrição a todo processo disciplinar paralisado por mais de três anos, pendente de despacho ou julgamento, devendo ser arquivado de ofício, ou a requerimento da parte interessada, sem prejuízo de serem apuradas as responsabilidades pela paralisação”. 3. Nesse sentido, verifica-se que o processo permaneceu paralisado por período superior a três anos, de 05/08/2009 (apresentação de defesa pelo representado) e 21/12/2012 (juntada de parecer subscrito pela Dra. Iscilia C. V. A. Piton). 4. Como bem asseverado pelo Magistrado a quo, atos meramente ordinatórios como a conclusão não constituem despacho ou julgamento, de forma que não se prestam a interromper o fluxo do prazo prescricional. É de rigor, portanto, o reconhecimento da prescrição intercorrente no caso em tela. Precedentes […] (TRF-3-ApCiv:50084993220194036100SP, Relator: Desembargador Federal ANTONIO CARLOS CEDENHO, Data de Julgamento: 20/05/2021, 3ª Turma, Data de Publicação: DJEN DATA: 24/05/2021) (grifou-se)
Não se desconhece, entretanto, renitente jurisprudência dos Tribunais de Ética e Disciplina (TED) da OAB que, a partir da análise simplista do §1º do art. 43, considera haver interrupção da prescrição intercorrente nos casos de paralisação do processo disciplinar por mais de três anos, independentemente da natureza do ato expendido. Em outras palavras, qualquer ato processual, segundo esse entendimento – inclusive meramente ordinatórios, seria hábil à interrupção do prazo da prescrição intercorrente:
RECURSO N. 49.0000.2019.011206-1/OEP. […]. Ementa n. 008/2023/OEP. Recurso ao Órgão Especial do Conselho Pleno do Conselho Federal da OAB. Artigo 85, inciso II, do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB. Alegação de nulidades processuais. Admissibilidade do recurso. Inexistência das nulidades arguidas. Ausência de demonstração de qualquer prejuízo à defesa. Matérias devidamente analisadas pela decisão recorrida. Prescrição intercorrente. Inexistência. Ausência de paralisação do processo por mais de três anos. A prescrição intercorrente tem por fundamento a absoluta paralisação do processo disciplinar por mais de três anos, pendente de despacho ou julgamento, e não apenas o mero transcurso de lapso temporal de três anos de tramitação do processo. Inteligência do art. 43, § 1º, do EAOAB. […]. Brasília, 20 de setembro de 2022. Rafael de Assis Horn, Presidente. Ulisses Rabaneda dos Santos, Relator. (DEOAB, a. 5, n. 1041, 09.02.2023, p. 4). (grifou-se)
Recurso n. 24.0000.2023.000001-6/SCA-TTU. […]. EMENTA N. 107/2024/SCA-TTU. Recurso voluntário. Art. 140 do Regulamento Geral. Indeferimento liminar de recurso ao Conselho Federal da OAB, por ausência dos pressupostos de admissibilidade do artigo 75 do Estatuto da Advocacia e da OAB. Decisão devidamente fundamentada. Prescrição intercorrente. Art. 43, § 1º, EAOAB. Inexistência. Ausência de paralisação do processo por mais de três anos. Regular trâmite processual. Recurso não provido. […]. Brasília, 20 de agosto de 2024. Milena da Gama Fernandes Canto, Presidente. Daniel Blume, Relator ad hoc. (DEOAB, a. 6, n. 1448, 27.09.2024, p. 17). (grifou-se)
O Código de Processo Civil traz o conceito de atos ordinátorios:
Art. 203 […] § 4º Os atos meramente ordinatórios, como a juntada e a vista obrigatória, independem de despacho, devendo ser praticados de ofício pelo servidor e revistos pelo juiz quando necessário.
A jurisprudência, por sua vez, complementa o conceito:
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DECISÃO AGRAVADA QUE, EM OBSERVÂNCIA À COMPETÊNCIA INTERNA ESTABELECIDA NO REGIMENTO INTERNO DO STJ, DETERMINA A REDISTRIBUIÇÃO DO FEITO A OUTRA SEÇÃO. ATO ORDINATÓRIO. AUSÊNCIA DE CONTEÚDO DECISÓRIO. PREJUÍZO INEXISTENTE. IRRECORRIBILIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO NÃO CONHECIDO. 1. É irrecorrível a decisão agravada que, em observância à competência interna estabelecida no Regimento Interno do STJ, determina a redistribuição dos autos, haja vista tratar-se de ato meramente ordinatório bem como inexistir conteúdo decisório apto a causar gravame às partes. Precedentes. 2. Agravo interno não conhecido.
A OAB é pessoa jurídica de natureza sui generis(1) que presta serviços públicos nos termos da Lei nº 8.906/94 (2) e nesse sentido, não há que se afastar princípios próprios dos processos administrativos – nos termos da Lei nº 9.784/1999 – dos processos ético-disciplinares da OAB:
Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. (grifou-se)
Nesse sentido, a própria OAB:
Consulta n. 49.0000.2020.005420-1/OEP. Assim, muito embora a Ordem dos Advogados do Brasil não esteja vinculada à Administração Pública Direta ou Indireta, tratando-se de entidade com personalidade própria, autônoma e independente (ADI 3.026, Plenário, Rei. Ministro Pros Grau, DJ 20/09/2006), o exercício do poder punitivo da OAB se aproxima do ius puniedi estatal, sobretudo na esfera sancionatória administrativa. Em assim sendo, pela natureza da relação jurídica, a prescrição nos processos disciplinares da OAB se norteará pelos princípios que regem a prescrição punitiva, devendo-se observar, evidentemente, os prazos, os efeitos e as causa modificativas e extintivas próprios da Lei Federal n° 8.906/1994.
Reitere-se que não se afirma que a OAB pertença à Administração Pública; contudo, ao prestar serviços públicos e – especificamente nos processos disciplinares – exercitar poder punitivo, atrai para os seus processos éticos preceitos inafastáveis de garantias aos advogados acusados, todos fundamentados nos princípios constitucionais aduzidos na Lei nº 9.784/1999 que, por sua vez, fundamenta-se na própria Constituição Federal.
Nesses termos, não se pode cogitar que o órgão acusador da OAB utilize atos meramente ordinatórios, sem qualquer conteúdo decisório, a fim de interromper a prescrição e encobrir sua desídia. À evidência, trata-se de afronta à boa-fé processual – e, portanto, imoral – que visa prejudicar, em regra, o direito do acusado de ver reconhecida a prescrição a partir de um subterfúgio injustificável e que, obviamente, em nada contribui para o andamento do feito.
Assim, pode-se imaginar, no limite, um arremedo ordinatório qualquer, proferido no processo disciplinar apenas para evitar – em tese – a prescrição intercorrente, em notória afronta à segurança jurídica que deve permear todo o ordenamento jurídico nacional.
Ademais, legitimo o reconhecimento da prescrição intercorrente diante de prazo superior a 3 (três) anos sem a oposição de decisões ou julgamentos no feito, uma vez que há inequívoca violação, nesses termos, dos preceitos constitucionais da celeridade processual e eficiência.
Conclusão
Do exposto, tem-se – à evidência – reiteradas decisões – inclusive judiciais – sobre a impossibilidade de despachos meramente ordinatórios interromperem a prescrição. Outro, portanto, não deve ser o entendimento, considerando a evidente impossibilidade de que meros despachos ordinatórios, sem qualquer decisão efetiva nos autos, possam interromper o prazo normativo para a ocorrência da prescrição intercorrente dos processos disciplinares em julgamento na OAB.
É assim porque todo ordenamento jurídico pautado pela segurança jurídica repugna a imprescritibilidade – e essa é a natureza do instituto da prescrição –, a fim de que, em razão do decurso do tempo, seja reestabelecida a estabilidade das relações jurídicas, evitando-se sua perpetuidade ao extinguir posições jurídicas que não são exercitadas pelo titular do direito, in casu, os tribunais disciplinares da OAB.
Tratado o tema de outra forma, seria possível ao órgão sancionador – em tese e com evidente desvio de finalidade e abuso de poder – elaborar um despacho sem qualquer viés decisório sobre o caso – apenas para desconfigurar sua inércia que, afinal, deve ser sancionada pelo reconhecimento da prescrição. Estar-se-ia, assim, a um passo de tornar tais feitos imprescritíveis, por alvedrio único e exclusivo da autoridade disciplinar.
(2) Art. 44. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa […]