Crimes contra a honra nas redes sociais
A internet e, particularmente, as redes sociais, são um campo fértil de discussões e, com muita frequência, da prática de crimes contra a honra das pessoas. Se você foi vítima de insultos, humilhação ou xingamentos, saiba como se defender. Do mesmo modo, seja ponderado em suas manifestações nas redes sociais, a fim de não se transformar – você – em eventual autor de crime contra a honra alheia.
A proteção constitucional da honra
A Constituição Federal estabelece que:
Art. 5º
[…]
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
No âmbito penal, para que se caracterize um crime contra a honra, é necessário que a ofensa seja dirigida a uma pessoa determinada, atinja sua reputação ou imagem pública e seja feita de forma intencional, ou seja, com dolo. No Brasil, esses crimes são previstos no Código Penal e englobam a calúnia, a difamação e a injúria.
Da calúnia
A calúnia ocorre quando alguém imputa falsamente a outra pessoa a prática de um crime, sabendo que é mentira. Ou seja, é a acusação falsa de que alguém tenha cometido um delito.
A calúnia é crime que ofende a honra objetiva da pessoa, a rigor, a boa imagem que as pessoas possuem da vítima. Nesse sentido, o crime se consuma quando a falsa notícia de autoria de crime é veiculada pelo autor do delito a terceiros.
Assim que uma pessoa fica sabendo dessa falsa notícia, o crime se consuma. Por isso, quem espalha essa mesma notícia, sabendo-a falsa, pode ser penalizado. Por exemplo: “A” diz para “B” que “C” falsifica dinheiro em sua casa e o distribui no comércio. Esse fato narrado por “A”, sabendo-o falso e tratando-se de um crime (falsificação de papel moeda), configura o crime de calúnia quando “B” fica sabendo da notícia falsa veiculada por “A”. Se “B”, sabendo da falsidade da notícia, também a divulga, comete igualmente o crime de calúnia.
Nesse sentido, dispõe o Código Penal:
Art. 138 – Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:
Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
§ 1º – Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga
Da difamação
A difamação consiste na divulgação de informações falsas que ofendem a reputação de alguém, expondo-a ao desprezo público – desde que não se trata da imputação falsa de um crime. Consiste em uma ofensa à honra objetiva da pessoa, ou seja, ao conceito – em regra, favorável – que os outros tem a respeito da pessoa ofendida.
Por isso, assim como ocorre na calúnia, a consumação do crime de difamação se dá quando uma terceira pessoa fica sabendo do fato desabonador relacionado à vítima. Por exemplo, se “A” diz a “C” que “B” vai trabalhar todo dia embriagado, consuma-se a difamação. Ressalte-se que a embriaguez, por si só, não é crime.
Aqui – e diferentemente do que ocorre na calúnia -, não se exige que o fato narrado a terceiro seja, necessariamente, falso – mesmo verdadeiro, haverá a difamação diante da narrativa que ofenda a reputação de alguém.
Nesse sentido, dispõe o Código Penal:
Art. 139 – Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa
Da injúria
Por fim, a injúria é a ofensa direta à dignidade ou ao decoro de alguém, por meio de palavras, gestos ou escritos.
Caracteriza-se pela ofensa à honra subjetiva da pessoa e, nesse sentido, configura-se com o xingamento feito diretamente à vítima, independentemente da presença ou do conhecimento de terceiros.
Está prevista no art. 140 do Código Penal:
Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.
Crimes contra a honra pela internet
O uso das redes sociais pela internet, como regra, tornaram mais comuns as ocorrências de ofensas contra a honra das pessoas, pela facilidade e instantaneidade de tráfego das informações. Lembremo-nos que, há algum tempo atrás, ou se irrogava presencialmente a ofensa ou se dependia, como regra, de meios mais custosos e lentos para a sua concretização, como as cartas.
Não se desconhece, ainda, a grande difusão e alcance de uma ofensa propalada pela internet. Nesse sentido, o Código Penal estabeleceu causa específica de aumento de pena, nesses casos, bem como adotou a necessária utilização de meios similares aos utilizados para a ofensa, no caso de eventual retratação.
Art. 141
[..]
§ 2º Se o crime é cometido ou divulgado em quaisquer modalidades das redes sociais da rede mundial de computadores, aplica-se em triplo a pena. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
[…]
Art. 143 – O querelado que, antes da sentença, se retrata cabalmente da calúnia ou da difamação, fica isento de pena.
Parágrafo único. Nos casos em que o querelado tenha praticado a calúnia ou a difamação utilizando-se de meios de comunicação, a retratação dar-se-á, se assim desejar o ofendido, pelos mesmos meios em que se praticou a ofensa. (Incluído pela Lei nº 13.188, de 2015)
Dos meios de prova e ação penal
Importante enfatizar que, como regra, os crimes contra a honra são de ação penal privada, ou seja, mesmo que você os registre através de um boletim de ocorrência na Delegacia de Polícia, a efetiva apuração processual penal exigirá a elaboração de uma queixa-crime, através de advogado constituído.
Nesse sentido, torna-se ainda mais importante a apresentação de provas que demonstrem as ofensas irrogadas pelo autor, a fim de que seja evidenciada a justa causa para o recebimento da queixa-crime e inicio da respectiva ação penal – sob pena de inépcia da inicial.
RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA A HONRA. CONFIGURAÇÃO DO DELITO DE CALÚNIA. NECESSIDADE DE IMPUTAÇÃO FALSA DE FATO CRIMINOSO. ALEGADA INÉPCIA DA QUEIXA. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE FATO TÍPICO E DETERMINADO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. RECURSO PROVIDO. – Para a caracterização do crime de calúnia é necessária a imputação a alguém de fato definido como crime, sabendo o autor da calúnia ser falsa a atribuição. Devem estar presentes, simultaneamente, a imputação de fato determinado e qualificado como crime; o elemento normativo do tipo, consistente na falsidade da imputação; e o elemento subjetivo do tipo, o animus caluniandi. – Nos termos da jurisprudência desta Corte e do Supremo Tribunal Federal, se não há na denúncia descrição de fato específico, marcado no tempo, que teria sido falsamente praticado pela pretensa vítima, o reconhecimento da inépcia é de rigor, porquanto o crime de calúnia não se contenta com afirmações genéricas e de cunho abstrato ( RHC 77.243/RJ, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 06/12/2016). – No caso, está ausente da queixa a narrativa de que o querelado imputou ao querelante fato criminoso determinado, devidamente situado no tempo e espaço, com a indicação suficiente das circunstâncias específicas nas quais teria ocorrido. – Recurso em habeas corpus provido para trancar a Ação Penal n. 0162363-35.2013.8.06.0001, por inépcia da queixa, nos termos do art. 395, I, do Código de Processo Penal. (STJ – RHC: 77768 CE 2016/0283860-1, Relator: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Julgamento: 18/05/2017, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/05/2017)
Tratando-se de ofensa propalada pela internet ou redes sociais, importa o registro das conversas travadas com o autor e a demonstração das agressões à honra sofridas. Os “prints” de tela, áudios ou vídeos, por exemplo, são fundamentais e juridicamente válidos para a configuração desses delitos pela internet. Nesse sentido:
PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA A HONRA. INJÚRIA. DELITO CARACTERIZADO. OFENSAS PROFERIDAS PELAS REDES SOCIAIS. CONDENAÇÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1) Das provas existentes nos autos, especificamente, os prints de conversas via Whatsapp, comprovam que a querelante ofendeu a honra da querelada, mediante a utilização de palavras negativas, imorais e de cunho depreciativo à honra e dignidade, caracterizando-se assim o animus injuriandi a configurar a prática do tipo penal do art. 140, do CP. 2) Não comprovando-se nos autos a ocorrência de provocação do ofendido e retorsão imediata, deve ser mantida a sentença condenatória. 3) Apelo improvido. (TJ-AP – APL: 00221753420178030001 AP, Relator: MÁRIO MAZUREK, Data de Julgamento: 25/04/2019, Turma recursal)
Não se descura, por fim, a possibilidade da busca de indenização por danos morais pelas ofensas eventualmente sofridas nas redes sociais e internet.
ACÓRDÃO RECURSO INOMINADO – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – OFENSAS IRROGADAS POR MEIO DE REDE SOCIAL (FACEBOOK) – EXCESSO VERBAL QUE EXTRAPOLA DIREITO A LIBERDADE DE EXPRESSA – OFENSA A HONRA CONFIGURADA – Comentários ofensivos inseridos pelo recorrente junto à rede social denominada “Facebook”, ocasionando abalo à imagem e honra dos recorridos. Excesso verificado. Fatos incontroversos. Conduta que extrapolaram os limites da liberdade de expressão, violando o direito à honra e à intimidade do indivíduo – Dano moral configurado. Indenização devida – Arbitramento que atendeu aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, bem como as peculiaridades do caso (R$4.000,00. Sentença mantida pelos próprios fundamentos. Recurso improvido. (TJ-SP – RI: 10051938220208260032 SP 1005193-82.2020.8.26.0032, Relator: José Daniel Dinis Gonçalves, Data de Julgamento: 20/08/2020, 1ª Turma Cível, Data de Publicação: 20/08/2020)
Conclusão
Do exposto, constata-se que o meio virtual não se constituiu em território livre para a manifestação de ofensas à honra alheia. Ainda que as redes sociais e a internet tenham facilitado as interações humanas e, consequentemente, propiciado maior chance de hostilidade, é possível buscar a reparação civil e criminal dos seus direitos.
Do mesmo modo, há que se adotar cautelas na utilização do meio virtual, sob pena de você se tornar eventual autor de crime contra a honra alheia, seja ao ofender diretamente alguém, seja propalando fatos desabonadores ou ultrajantes sobre quem quer que seja.