Reabilitação disciplinar na OAB: como o advogado excluído pode retomar sua inscrição e sua carreira

1. A Reabilitação como direito do advogado excluído A exclusão dos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil representa uma das penalidades mais severas no âmbito do processo ético disciplinar. Suas repercussões não se limitam ao exercício profissional, mas afetam profundamente a dignidade, o sustento e a própria identidade do advogado. Contudo, o ordenamento jurídico brasileiro não concebe essa sanção como definitiva ou perpétua. A legislação garante, de maneira expressa, o direito à reabilitação disciplinar, permitindo que o advogado punido possa reconstruir sua trajetória profissional, desde que atendidos os requisitos legais. Portanto, a reabilitação não é um favor, não é uma liberalidade da OAB e tampouco um instituto discricionário. Trata-se de um direito subjetivo do advogado, que encontra respaldo no próprio Estatuto da Advocacia e nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade, da razoabilidade e do devido processo legal. Sua natureza jurídica é de ato administrativo declaratório, que reconhece a cessação dos efeitos negativos da sanção anteriormente aplicada, permitindo o retorno do profissional ao exercício da advocacia. Nesse sentido, a reabilitação possui dupla finalidade: (i) assegurar o sigilo dos registros sobre o processo e a condenação disciplinar; e (ii) suspender os efeitos da condenação para fins de reincidência e antecedentes.Isso significa que, uma vez reabilitado, o advogado não terá contra si, por exemplo, a utilização da condenação anterior para fins de agravamento de eventuais sanções futuras, além de poder disputar cargos eletivos na OAB, direito que seria obstado pela existência de condenação disciplinar não reabilitada. 2. Fundamentos normativos da reabilitação disciplinar A reabilitação disciplinar do advogado encontra seu fundamento legal primário no artigo 41 da Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia e da OAB – EAOAB), que estabelece: Art. 41. É permitido ao que tenha sofrido qualquer sanção disciplinar requerer, um ano após seu cumprimento, a reabilitação, em face de provas efetivas de bom comportamento.Parágrafo único. Quando a sanção disciplinar resultar da prática de crime, o pedido de reabilitação depende também da correspondente reabilitação criminal. Esse artigo trata, genericamente, da possibilidade de reabilitação em razão da condenação por qualquer transgressão disciplinar, incluindo, portanto, aquelas apenadas com exclusão. Complementando essa previsão, as regulamentações do Código de Ética e Disciplina da OAB – CEDOAB (Resolução nº 02/2015 do Conselho Federal da OAB) e dos Regimentos Internos dos Tribunais de Ética e Disciplina das Seccionais, como o da OAB/SP, que detalham os procedimentos e requisitos específicos para o processamento do pedido de reabilitação. Nesse sentido, o disposto no CEDOAB: Art. 69. O advogado que tenha sofrido sanção disciplinar poderá requerer reabilitação, no prazo e nas condições previstos no Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (art. 41).§ 1º A competência para processar e julgar o pedido de reabilitação é do Conselho Seccional em que tenha sido aplicada a sanção disciplinar. Nos casos de competência originária do Conselho Federal, perante este tramitará o pedido de reabilitação.§ 2º Observar-se-á, no pedido de reabilitação, o procedimento do processo disciplinar, no que couber.§ 3º O pedido de reabilitação terá autuação própria, devendo os autos respectivos ser apensados aos do processo disciplinar a que se refira.§ 4º O pedido de reabilitação será instruído com provas de bom comportamento, no exercício da advocacia e na vida social, cumprindo à Secretaria do Conselho competente certificar, nos autos, o efetivo cumprimento da sanção disciplinar pelo requerente.§ 5º Quando o pedido não estiver suficientemente instruído, o relator assinará prazo ao requerente para que complemente a documentação; não cumprida a determinação, o pedido será liminarmente arquivado. Por sua vez, as regras estabelecidas pelo Regimento Interno do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP – RITEDOABSP: Art. 98. Deferida a reabilitação, a condenação ou condenações reabilitadas não serão mencionadas na folha de antecedentes do reabilitado nem em certidão extraída dos livros.Art. 99. A reabilitação nas hipóteses de exclusão servirá de prova para novo pedido de inscrição (art. 11, § 3º, EAOAB). 3. Requisitos legais e documentação necessária para o processo de reabilitação De acordo com a legislação vigente e a jurisprudência consolidada do Conselho Federal da OAB, são dois os requisitos fundamentais para a concessão da reabilitação disciplinar: Importante ressaltar que o requisito subjetivo de bom comportamento deve ser interpretado de forma restritiva, evitando-se grau elevado de discricionaridade do julgador de modo a tornar inviável a reabilitação: Recurso n. 16.0000.2022.000067-9/SCA-PTU.Recorrente: F.L.M. (Advogado: Fabrício Lazarin Maronez OAB/PR 62.535). Recorrido: Conselho Seccional da OAB/Paraná. Relator: Conselheiro Federal Ulisses Rabaneda dos Santos (MT). EMENTA N. 114/2023/SCA-PTU. Recurso ao Conselho Federal da OAB. Artigo 75, caput, do Estatuto da Advocacia e da OAB. Acórdão unânime do Conselho Seccional da OAB/Paraná. Pedido de reabilitação. Artigo 41 do Estatuto da Advocacia e da OAB. Demonstração dos requisitos previstos na norma. Reabilitação deferida. Recurso provido. 01) O artigo 41 do Estatuto da Advocacia e da OAB dispõe que poderá ser requerida a reabilitação após o transcurso de lapso temporal de 01 (um) ano após o cumprimento da sanção disciplinar imposta, em face de provas de bom comportamento. Percebe-se, pela normativa legal, que são 02 (dois) os requisitos para a reabilitação disciplinar: um requisito de natureza objetiva, consistente no decurso do prazo de 01 (um) ano após o cumprimento da sanção disciplinar; e um requisito de natureza subjetiva, consistente nas provas efetivas de bom comportamento. 02) A seu turno, o requisito subjetivo provas efetivas de bom comportamento, deve ser interpretado de forma restritiva, evitando-se que a excessiva margem de discricionariedade do julgador torne inviável a pretensão de reabilitação disciplinar. É dizer, o bom comportamento se presume, devendo ser fundamentada a decisão para afastá-lo. 03) Não obstante, para efeitos de bom comportamento, considera-se eventuais fatos praticados pela parte requerente dentro do lapso temporal de 01 (um) ano do cumprimento da sanção disciplinar à qual requer a reabilitação. Ou seja, somente se poderá afastar a presunção de bom comportamento se houver prova de que, durante o período depurador de 01 (um) ano vier a parte requerente a praticar novas condutas que afastem a presunção do bom comportamento, de modo que não podem ser valoradas – como assim o foi pela decisão recorrida – fatos e circunstâncias anteriores a esse período. 04) Recurso provido, para reformar o acórdão recorrido e deferir
Da idoneidade moral para o exercício da advocacia e da exclusão do advogado por inidoneidade

A advocacia é uma profissão que transcende a mera técnica jurídica. Envolve a guarda de valores fundamentais para a justiça e a democracia, exigindo de seus profissionais não apenas competência, mas integridade moral. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), como guardiã desses princípios, estabelece a idoneidade ética como requisito indispensável para o registro inicial e como condição para a permanência do advogado no exercício profissional. Introdução A idoneidade ética representa um dos fundamentos mais relevantes do exercício profissional da advocacia, sendo concebida não apenas como um requisito formal de habilitação, mas como expressão de um compromisso ético que permeia toda a trajetória do advogado, desde o seu ingresso nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) bem como sua conduta ao longo do exercício profissional.Trata-se de um conceito que, embora previsto de forma normativa na legislação específica da advocacia — especialmente no artigo 8º, inciso VI, da Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia e da OAB – EAOAB) —, adquire contornos interpretativos complexos, em razão de sua natureza eminentemente valorativa. Além dessa dificuldade inicial diante da previsão legal vaga e indeterminada, tem-se a existência de procedimentos diferentes no que tange ao momento específico em que é suscitada eventual inidoneidade: se no processo de inscrição do bacharel nos quadros da OAB, tem-se a possibilidade de um processo incidente de inidoneidade. Contudo, caso se trate de advogado no exercício profissional e, portanto, com idoneidade, o reconhecimento da inidoneidade é sanção disciplinar punível com exclusão do advogado dos quadros profissionais da OAB. Fundamento constitucional e legal da idoneidade ética O acesso à advocacia é regulado por um triplo filtro: formação acadêmica, aprovação no Exame de Ordem e idoneidade moral (art. 8º, EAOAB). Enquanto os dois primeiros critérios são objetivos, a avaliação da idoneidade envolve uma análise subjetiva, porém rigorosa, da conduta do candidato. A exigência de idoneidade moral como requisito para o exercício da advocacia encontra sustentação não apenas na legislação infraconstitucional, mas também em fundamentos constitucionais mais amplos, vinculados aos princípios da moralidade administrativa e da dignidade da pessoa humana. Tais princípios são pilares da atuação profissional no Estado Democrático de Direito e refletem a compreensão de que o advogado, embora profissional liberal, exerce função essencial à administração da justiça, conforme consagra o artigo 133 da Constituição da República de 1988. Do ponto de vista legal, o Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/1994) estabelece de forma inequívoca, em seu artigo 8º, inciso VI, que constitui condição para inscrição como advogado a apresentação de “idoneidade moral”. Trata-se de um requisito de natureza subjetiva, cuja avaliação cabe à seccional da OAB onde o pedido é protocolado, por meio da respectiva Comissão de Seleção. O legislador, ao não estabelecer critérios taxativos ou objetivos para a aferição da idoneidade, delegou à Ordem dos Advogados do Brasil a tarefa de desenvolver parâmetros interpretativos que orientem essa análise, observando os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. O conteúdo jurídico do conceito de “idoneidade moral” é tema de recorrente debate doutrinário. Parte significativa da doutrina entende que ele deve ser compreendido à luz da conduta social e profissional do requerente, considerando não apenas registros criminais, mas também sua reputação no meio em que vive, seu comportamento ético em outras atividades e seu histórico de relacionamento com instituições e terceiros. Sobre a idoneidade moral, afirma Paulo Lôbo: é um conceito indeterminado (porém determinável), cujo conteúdo depende da mediação concretizadora do Conselho competente, em cada caso. Os parâmetros não são subjetivos, mas decorrem da aferição objetiva de standards valorativos que se captam na comunidade profissional, no tempo e no espaço, e que contam com o máximo de consenso na consciência jurídica. De maneira geral, não são compatíveis com a idoneidade moral atitudes e comportamentos imputáveis ao interessado, que contaminarão necessariamente sua atividade profissional, em desprestígio da advocacia. (LÔBO, 2025, p. 112) A ausência de condenações judiciais não é, por si só, garantia de idoneidade, do mesmo modo que a existência de procedimento judicial ainda não concluído não pode servir automaticamente como prova de inidoneidade, sob pena de violação ao princípio da presunção de inocência. Nesse sentido, a jurisprudência do Conselho Federal da OAB tem reiteradamente afirmado que a idoneidade deve ser aferida de forma ampla, com base em critérios razoáveis e proporcionais, sempre assegurando ao interessado o direito à defesa. RECURSO 2009.08.08704-05/SCA-STU. Rcte.: M.S.C.B. (Advs.: Cláudio Juarez Villanova Camboim OAB/RS 35153 e Outros). Rcdo.: Conselho Seccional da OAB/Rio Grande do Sul. Rel.: Conselheiro Federal Francisco de Assis Guimarães Almeida (RR). Rel. para o acórdão: Conselheiro Federal Durval Julio Ramos Neto (BA). EMENTA 281/2010/SCA – STU. A idoneidade moral, mais do que uma condição de ingresso no quadro da ordem, é uma permanente exigência na vida do advogado, mas para excluir o advogado do exercício da advocacia é necessário o quorum qualificado de dois terço exigido pelo art. 38, Parágrafo único, do EAOAB, e art. 108 do Regulamento Geral. Recurso Conhecido e dado provimento para decretar anulação do julgamento proferido pelo Conselho Seccional com a realização de novo julgamento, observando o quórum legal. ACÓRDÃO: vistos, relatados e discutidos estes autos acordam os integrantes da 2ª Turma da Segunda Câmara do CFOAB, por maioria de votos, em conhecer e dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator para o Acórdão. Brasília, 16 de novembro de 2010. Paulo Roberto de Gouvêa Medina, Presidente da 2ª Turma da Segunda Câmara. Durval Julio Ramos Neto, Relator para o Acórdão. (DJ. 21/12/2010, p. 42). Ao mesmo tempo, reforça-se a responsabilidade institucional da OAB na proteção da imagem da advocacia, assegurando que apenas aqueles que efetivamente demonstrem conduta compatível com os valores éticos da profissão ingressem em seus quadros. Complementarmente, o Código de Ética e Disciplina da OAB (Resolução n. 02/2015), embora voltado principalmente à conduta dos advogados já inscritos, reforça o compromisso ético que se espera de todos os integrantes da classe, desde o ingresso. A ética profissional é, portanto, não apenas um valor normativo, mas uma exigência contínua, que acompanha o advogado durante toda sua trajetória
Juízo de admissibilidade para a instauração do processo ético disciplinar na OAB

1. Introdução O processo disciplinar conduzido pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) desempenha um papel fundamental na preservação da ética e da moralidade no exercício da advocacia. Entre as etapas que compõem esse procedimento, o juízo de admissibilidade destaca-se por determinar se uma denúncia ou representação apresenta os requisitos necessários para ser convertida em processo disciplinar. A análise preliminar, realizada com base em critérios legais e éticos, busca assegurar que somente os casos devidamente fundamentados avancem, promovendo a proteção dos profissionais contra acusações infundadas e garantindo o devido processo legal. 2. Dos requisitos da representação no processo disciplinar da OAB No processo ético disciplinar da OAB, a representação constitui-se em mera notícia do fato tido por transgressional e, nesses termos, deve ser analisada pela OAB, órgão censor ético da prática advocatícia nos termos do EAOAB: Art. 72. O processo disciplinar instaura-se de ofício ou mediante representação de qualquer autoridade ou pessoa interessada.§ 1° O Código de Ética e Disciplina estabelece os critérios de admissibilidade da representação e os procedimentos disciplinares. (grifou-se) O CEDOAB exige que o relator observe a existência dos critérios de admissibilidade antes de propor a instauração ou arquivamento da representação: Art. 58. Recebida a representação, o Presidente do Conselho Seccional ou o da Subseção, quando esta dispuser de Conselho, designa relator, por sorteio, um de seus integrantes, para presidir a instrução processual.[…]§ 3º O relator, atendendo aos critérios de admissibilidade, emitirá parecer propondo a instauração de processo disciplinar ou o arquivamento liminar da representação […] (grifou-se) Por sua vez, são critérios de admissibilidade de uma representação, segundo o CEOAB: Art. 57. A representação deverá conter:I – a identificação do representante, com a sua qualificação civil e endereço;II – a narração dos fatos que a motivam, de forma que permita verificar a existência, em tese, de infração disciplinar;III – os documentos que eventualmente a instruam e a indicação de outras provas a ser produzidas, bem como, se for o caso, o rol de testemunhas, até o máximo de cinco;IV – a assinatura do representante ou a certificação de quem a tomou por termo, na impossibilidade de obtê-la. (grifou-se) Constata-se, nesses termos, que o mero recebimento e protocolo de uma representação não implica em imediata e inequívoca instauração do processo disciplinar. Não estando a representação consubstanciada por provas idôneas e aptas à instauração de processo disciplinar, indispensável a realização de diligências pela OAB. De modo mais claro, o Regimento Interno do TED/SP: Art. 48. Recebida a representação, ela será autuada, nomeando-se Relator, Assessor ou membro da Comissão de Ética e Disciplina para, atendendo aos critérios de admissibilidade, emitir parecer no prazo de 30 (trinta) dias sob pena de redistribuição do feito pelo Presidente da Turma Disciplinar, no qual será proposto o arquivamento liminar da representação, quando se constatar absoluta ausência dos pressupostos de admissibilidade, ou a instauração de processo disciplinar.Parágrafo único. Antes da elaboração do parecer, o feito poderá ser convertido em diligência para:I – determinar que, no prazo de 15 (quinze) dias:a) a representação seja aditada;b) o representante promova a juntada de documentos que porventura sejam necessários à apreciação da representação;II – conceder ao representado o prazo de 15 (quinze) dias para, caso queira, apresentar esclarecimentos preliminares, facultando-lhe a juntada de documentos;[…]Art. 50. Recebidos os autos, o Relator Presidente da Turma Disciplinar, nos termos do parecer apresentado ou segundo os fundamentos que adotar, proferirá despacho arquivando liminarmente a representação ou declarando instaurado o processo disciplinar.Parágrafo único. A representação será liminarmente arquivada quando:I – não preencher os requisitos do artigo 47 deste Regimento;II – narrar fatos evidentemente atípicos;III – estiver extinta a punibilidade;IV – pela análise da prova, não houver justa causa para instauração de processo disciplinar; (grifou-se) Assim, o juízo de admissibilidade pode resultar em dois desfechos principais: o arquivamento da representação, nos casos em que não se identificam elementos suficientes que demonstrem justa causa para a persecução disciplinar, ou o encaminhamento para as etapas subsequentes, quando se verifica a presença de indícios de autoria, materialidade e tipicidade que justifiquem a continuidade do processo. Esse controle inicial é essencial para assegurar que o sistema disciplinar atue de forma criteriosa e em conformidade com os princípios do devido processo legal. 3. Da representação por autoridade judiciária No desenvolvimento da função jurisdicional, é possível que o juiz entenda pela existência de supostas irregularidades na atuação do advogado. Nesses casos, a par das possíveis sanções processuais, não cabe ao magistrado adotar qualquer providência de natureza disciplinar, competência exclusiva da OAB.A Resolução TED nº 1/2025 da OAB Seccional São Paulo, no entanto, amplia e especifica essas exigências, especificamente nos casos oriundos de ofícios judiciais, visando coabar representações genéricas ou desprovidas de fundamentação: Ainda, o Parágrafo Único do artigo 1º reforça que a senha não substitui a obrigação de cumprir os demais requisitos, evitando que autoridades judiciárias encaminhem representações incompletas sob a justificativa de acesso remoto. O artigo 2º da Resolução, por fim, estabelece que a falta de qualquer dos requisitos listados implica o arquivamento imediato da representação. Essa medida é crucial para evitar a sobrecarga do TED com processos frágeis ou mal fundamentados, além de proteger advogados de investigações infundadas. Contudo, é importante destacar que o arquivamento não prejudica a possibilidade de reapresentação da representação, desde que regularizada. 4. Da importância do parecer de admissibilidade no processo disciplinar da OAB O parecer de admissibilidade exarado pelo relator reveste-se de grande importância no processo disciplinar da OAB, uma vez que se consubstancia em verdadeiro termo acusatório, onde os fundamentos de fato e de direito caracterizadores da suposta transgressão disciplinar devem ser apresentados. É no parecer de admissibilidade que ocorre a exposição das condutas objeto da apuração e sua subsunção aos tipos transgressionais de forma a permitir o exercício do contraditório e da ampla defesa. Nesse sentido: RECURSO N. 25.0000.2022.000177-8/SCA-STURecorrentes: J.B.T. e K.M.S. (Advogado: Bruno Ricci Gomes de Souza OAB/SP 370.643). Recorrido: Conselho Seccional da OAB/São Paulo. Relator: Conselheiro Federal Marcelo Tostes de Castro Maia (MG). EMENTA N. 074/2023/SCA-STU. Recurso ao Conselho Federal da OAB. Artigo 75, caput, do Estatuto da Advocacia e da OAB. Acórdão unânime do Conselho Seccional da OAB/São Paulo. Violação ao princípio da correlação entre a denúncia e a sentença – ou princípio da
Litigância predatória e os riscos de uma análise seletiva

1. Introdução O discurso institucional sobre a morosidade do Poder Judiciário frequentemente recai sobre a chamada litigância abusiva ou predatória, apontada como a principal responsável pela sobrecarga processual e pelo comprometimento da qualidade da prestação jurisdicional. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio da Recomendação nº 159/2024, estabeleceu diretrizes para conter esse fenômeno, sugerindo a adoção de filtros processuais e punições para advogados que ajuízem um número considerado excessivo de ações. O problema desse raciocínio é que ele ataca um efeito, e não a causa. Se há um grande volume de processos sobre temas repetidos, não é necessariamente porque advogados ajuízam ações de forma abusiva, mas porque certos litigantes reincidem sistematicamente em condutas lesivas, forçando consumidores e cidadãos a buscar o Judiciário para obter reparação. Além disso, a análise proposta pelo CNJ ignora um fator essencial: o litígio, muitas vezes, representa uma vantagem econômica para os grandes litigantes. Empresas como bancos, operadoras de telecomunicações, seguradoras e o próprio Estado são litigantes habituais e estão constantemente envolvidos em disputas judiciais semelhantes. Para essas entidades, a judicialização não é um problema, mas sim parte de uma estratégia de negócios. Esses grandes litigantes sabem que apenas uma pequena parcela dos prejudicados ingressará com ação judicial, seja por falta de informação, barreiras econômicas ou simples cansaço diante da burocracia. Como o valor das condenações é limitado apenas à compensação dos danos causados, sem punição adicional pela reincidência, o resultado prático é um incentivo perverso: vale mais a pena continuar errando e responder a algumas ações do que corrigir a prática lesiva. 2. O Conceito de litigância abusiva e a falta de uniformidade jurídica Embora o termo litigância abusiva seja amplamente utilizado, não há uma definição jurídica consolidada sobre o tema. Diferente da litigância de má-fé, que está expressamente prevista no artigo 80 do Código de Processo Civil (CPC), a litigância abusiva tem sido aplicada de forma jurisprudencial e interpretativa, sem um critério normativo claro. A litigância de má-fé envolve condutas objetivamente definidas na legislação, como alterar a verdade dos fatos, interpor recursos protelatórios ou usar o processo com objetivos ilegítimos. Já a litigância abusiva tem sido associada, de maneira genérica, ao ajuizamento massivo de ações semelhantes, sem necessariamente avaliar se tais demandas são legítimas ou se decorrem de uma violação sistemática de direitos. Essa imprecisão gera riscos sérios à advocacia. Sem uma definição clara, advogados podem ser punidos arbitrariamente por atuarem em ações de massa, ainda que tais demandas sejam fundamentadas e respaldadas pela legislação. O próprio Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) incentiva o acesso à Justiça para garantir direitos individuais e coletivos, e muitas das ações massificadas decorrem justamente da violação reiterada desses direitos por grandes corporações. O combate à litigância abusiva, para ser legítimo, deveria estabelecer critérios objetivos, diferenciando práticas fraudulentas de demandas legítimas, bem como identificando e punindo eventuais abusos no exercício do direito de defesa, mormente pelos litigantes passivos habituais. Caso contrário, o resultado será um sistema de Justiça seletivo, que pune advogados e cidadãos que buscam reparação, mas protege aqueles que instrumentalizam a morosidade processual para evitar condenações. 3. Litigância abusiva reversa: o lado ignorado dos excessos em juízo Se a litigância abusiva tem sido tratada como um problema para o Judiciário, a defesa predatória ou abusiva deveria receber a mesma atenção. No entanto, essa prática, amplamente utilizada por grandes litigantes, segue sem qualquer controle efetivo. A litigância abusiva reversa ocorre quando empresas e entes públicos adotam estratégias para prolongar indefinidamente a tramitação dos processos, visando desestimular os autores das ações. Isso é feito por meio de contestações padronizadas, sem qualquer análise do caso concreto, e da interposição de recursos em massa, muitas vezes sem qualquer fundamento jurídico sólido. Enquanto advogados que ajuízam ações massificadas estão sendo punidos sob a alegação de abusividade, escritórios que produzem milhares de contestações genéricas para bancos e operadoras de telefonia não sofrem qualquer sanção. Segundo o anuário do CNJ [Justiça em números de 2024](https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2024/05/justica-em-numeros-2024-v-28-05-2024.pdf), os maiores litigantes do Brasil (polo ativo) com o ingresso de ações no 1º grau de jurisdição foram: Ministério da Fazenda (2 milhões, 2,42% do total de ações), o TJSP (?) e os municípios de São Paulo e Guarulhos. Por sua vez, o ente mais demandado (polo passivo) é o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), com 3,8 milhões de processos previdenciários, o que representa 4,5% do acervo nacional. Em segundo lugar está a Caixa Econômica Federal (CEF), que possui 2,4 milhões de processos em tramitação. Importante observar que o Poder Público ocupa a posição de destaque tanto no polo passivo quanto no ativo, representando 11,7% dos processos em andamento contra a administração pública, defesa e seguridade social, e 29,5% dos casos pendentes ajuizados pela própria administração pública. O impacto da litigância abusiva é imenso. Processos que poderiam ser resolvidos em poucos meses se arrastam por anos, enquanto os grandes litigantes se beneficiam da lentidão para reduzir suas obrigações financeiras e dificultar a reparação dos danos causados. Se há um interesse real em melhorar a eficiência do Judiciário, o combate à litigância abusiva deve ser ampliado para incluir a defesa predatória, garantindo que todas as formas de abuso processual sejam combatidas com isonomia. 4. O uso do poder geral de cautela para restringir a advocacia Nos últimos anos, magistrados têm utilizado o poder geral de cautela (art. 297 do CPC) para restringir preventivamente o ajuizamento de ações por determinados advogados ou escritórios, sob a justificativa de litigância abusiva. Essa prática tem gerado grande preocupação na advocacia, pois pode ser usada como uma ferramenta para cercear o direito de ação, sem a devida fundamentação jurídica. A aplicação do poder geral de cautela nesses casos deve ser vista com extrema cautela, pois, se utilizada de forma indiscriminada, pode representar uma violação ao princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal). O uso desse mecanismo sem critérios objetivos pode resultar em um Judiciário ainda mais restritivo, onde advogados passam a ser punidos não por condutas ilegais, mas simplesmente por atuarem em causas que envolvem grandes litigantes. 5. O uso estratégico da morosidade processual pelos grandes litigantes Empresas e entes públicos que figuram como réus em um grande número de processos se encaixam no conceito de repeated players, ou litigantes habituais, que auferem
Sanção disciplinar de exclusão do advogado dos quadros da OAB

A exclusão de um advogado dos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) é a sanção ético-disciplinar mais severa prevista no Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei 8.906/1994). Trata-se de uma medida extrema, aplicada apenas em casos de infrações graves que comprometam a dignidade e a ética profissional do advogado. Embora existam outras penalidades previstas, como a censura e a suspensão, a exclusão tem um impacto permanente e definitivo na carreira do advogado. Enquanto a censura é uma advertência formal e a suspensão impede temporariamente o exercício da advocacia, a exclusão implica a perda do registro profissional, tornando o advogado inelegível para atuar como tal até eventual reabilitação. Causas que levam à exclusão de um advogado A exclusão de um advogado dos quadros da OAB ocorre apenas em situações graves, quando a conduta do profissional ultrapassa os limites éticos e legais esperados no exercício da advocacia. Essa sanção disciplinar está prevista no artigo 34 do Estatuto da Advocacia e da OAB – EAOAB (Lei 8.906/1994) e reflete a importância de preservar a integridade da profissão e a confiança que a sociedade deposita nos advogados. Entre as principais causas que podem levar à exclusão – nos termos do art. 38, II c.c art. 34, inc. XXVI a XXVIII do EAOAB – destacam-se: 1. Fazer falsa prova de qualquer dos requisitos para inscrição na OAB; Essa transgressão disciplinar ocorre quando um candidato à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) apresenta documentos falsificados ou presta informações fraudulentas com o intuito de atender aos requisitos necessários para sua inscrição na OAB. A aplicação da sanção de exclusão dos quadros da OAB, nesses casos, não afasta a possibilidade de análise criminal das condutas perpetradas, como falsidade documental ( art. 297 do Código Penal – CP) ou ideológica (art. 299 do CP) ou documental. Recurso n. 49.0000.2019.010737-4/SCA-TTU. […] EMENTA N. 066/2020/SCA-TTU. Recurso ao Conselho Federal da OAB. Decisão definitiva e não unânime de Conselho Seccional. Cerceamento de defesa. Inexistência. Defesa e razões finais apresentadas por defensor dativo. Inexistência de obrigação do defensor dativo produzir a defesa de acordo com os interesses da parte ou de sustentar todas as possíveis teses de defesa. Precedentes. Fazer falsa prova para inscrição nos quadros da OAB. Infração disciplinar punida com exclusão dos quadros da OAB (art. 34, XXVI c/c 38, II, EAOAB). Advogada que, no pedido de inscrição nos quadros da OAB, faz declaração falsa no sentido de não exercer qualquer atividade profissional, sendo que, há época, já exercia cargo público de agente penitenciário, incompatível com a advocacia. Recurso conhecido, mas improvido. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os autos do processo em referência, acordam os membros da Terceira Turma da Segunda Câmara do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, observado o quórum exigido no art. 108 do Regulamento Geral, por unanimidade, em negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Impedido de votar o Representante da OAB/São Paulo. Brasília, 27 de novembro de 2020. Renato da Costa Figueira, Presidente. Helder José Freitas de Lima Ferreira, Relator ad hoc. (DEOAB, a. 2, n. 487, 1.12.2020, p. 26) (grifou-se) 2. Tornar-se moralmente inidôneo para o exercício da advocacia; Essa disposição estabelece que um advogado será considerado moralmente inidôneo quando sua conduta demonstrar incompatibilidade com os princípios éticos e os valores que regem a profissão. Moralmente inidôneo é aquele que, por suas atitudes, viola padrões éticos e morais essenciais para a advocacia. A advocacia não exige apenas conhecimento técnico, mas também um comportamento irrepreensível, pautado na honestidade, integridade e compromisso com a justiça. A inidoneidade moral não se limita a infrações cometidas exclusivamente no exercício profissional. Condutas graves fora do ambiente jurídico, que afetem a confiança da sociedade no advogado, também podem justificar essa sanção. Nesse sentido: Recurso n. 24.0000.2022.000027-7/SCA-TTU. […] EMENTA N. 044/2023/SCA-TTU. Recurso ao Conselho Federal da OAB. Artigo 75, caput, do Estatuto da Advocacia e da OAB. Acórdão não unânime do Conselho Seccional da OAB/SC. Intempestividade. Inobservância do prazo recursal previsto no artigo 69 da Lei n.º 8.906/94 e no artigo 139 do Regulamento Geral do EAOAB. Protocolo do recurso após expirado o prazo. Não conhecimento. Sanção disciplinar de exclusão de advogado dos quadros da OAB por infração ao artigo 34, inciso XXVII, do EOAB, por tornar-se moralmente inidôneo ao praticar extorsão contra genitor de um acusado de ter praticado crime de roubo em sua residência, como condição para alterar o depoimento e o reconhecimento fotográfico feito perante a autoridade policial. Razões recursais que demandariam, por outro lado, apenas e tão somente o reexame de questões fáticas. Recurso não conhecido, em razão de sua intempestividade. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os autos do processo em referência, acordam os membros da Terceira Turma da Segunda Câmara do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, observado o quorum exigido no art. 108 do Regulamento Geral, por unanimidade, em não conhecer do recurso, nos termos do voto do Relator. Brasília, 23 de maio de 2023. Milena da Gama Fernandes Canto, Presidente. Daniel Blume, Relator ad hoc. (DEOAB, a. 5, n. 1116, 05.06.2023, p. 15). (grifou-se) 3. Praticar crime infamante Crimes que atentam contra a dignidade, a honra ou a moral, como apropriação indébita, estelionato ou falsidade ideológica, podem resultar na pena de exclusão, especialmente se cometidos no exercício da advocacia. Recurso n. 15.0000.2022.001346-5/SCA-TTU. […] EMENTA N. 106/2024/SCA-TTU. Recurso ao Conselho Federal da OAB. Prática de crime infamante (art. 34, XXVIII, EAOAB). Condenação criminal por estelionato (art. 171 do CP), transitada em julgado. Falsificação de assinatura de cliente em contrato de mútuo bancário, com a finalidade de se apropriar do valor do mútuo. Cliente pessoa idosa. Conduta absolutamente reprovável. Diversas outras ações penais tramitando em face do advogado. Sanção disciplinar de exclusão do advogado dos quadros da OAB. Inovação de tese recursal. Alegação de inimputabilidade. Impossibilidade de a OAB admitir a inimputabilidade penal sendo que essa matéria não foi reconhecida pela própria instância penal. Recurso não provido. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os autos do processo em referência, acordam os membros da Terceira Turma da Segunda Câmara do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, observado o quórum exigido no art. 108 do Regulamento Geral, por unanimidade, em negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Brasília, 20 de agosto de 2024. Milena da Gama Fernandes Canto, Presidente. Alberto Zacharias Toron, Relator ad hoc. (DEOAB,