A advocacia é uma profissão que transcende a mera técnica jurídica. Envolve a guarda de valores fundamentais para a justiça e a democracia, exigindo de seus profissionais não apenas competência, mas integridade moral. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), como guardiã desses princípios, estabelece a idoneidade ética como requisito indispensável para o registro inicial e como condição para a permanência do advogado no exercício profissional.
Introdução
A idoneidade ética representa um dos fundamentos mais relevantes do exercício profissional da advocacia, sendo concebida não apenas como um requisito formal de habilitação, mas como expressão de um compromisso ético que permeia toda a trajetória do advogado, desde o seu ingresso nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) bem como sua conduta ao longo do exercício profissional.
Trata-se de um conceito que, embora previsto de forma normativa na legislação específica da advocacia — especialmente no artigo 8º, inciso VI, da Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia e da OAB – EAOAB) —, adquire contornos interpretativos complexos, em razão de sua natureza eminentemente valorativa.
Além dessa dificuldade inicial diante da previsão legal vaga e indeterminada, tem-se a existência de procedimentos diferentes no que tange ao momento específico em que é suscitada eventual inidoneidade: se no processo de inscrição do bacharel nos quadros da OAB, tem-se a possibilidade de um processo incidente de inidoneidade. Contudo, caso se trate de advogado no exercício profissional e, portanto, com idoneidade, o reconhecimento da inidoneidade é sanção disciplinar punível com exclusão do advogado dos quadros profissionais da OAB.
Fundamento constitucional e legal da idoneidade ética
O acesso à advocacia é regulado por um triplo filtro: formação acadêmica, aprovação no Exame de Ordem e idoneidade moral (art. 8º, EAOAB). Enquanto os dois primeiros critérios são objetivos, a avaliação da idoneidade envolve uma análise subjetiva, porém rigorosa, da conduta do candidato.
A exigência de idoneidade moral como requisito para o exercício da advocacia encontra sustentação não apenas na legislação infraconstitucional, mas também em fundamentos constitucionais mais amplos, vinculados aos princípios da moralidade administrativa e da dignidade da pessoa humana. Tais princípios são pilares da atuação profissional no Estado Democrático de Direito e refletem a compreensão de que o advogado, embora profissional liberal, exerce função essencial à administração da justiça, conforme consagra o artigo 133 da Constituição da República de 1988.
Do ponto de vista legal, o Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/1994) estabelece de forma inequívoca, em seu artigo 8º, inciso VI, que constitui condição para inscrição como advogado a apresentação de “idoneidade moral”. Trata-se de um requisito de natureza subjetiva, cuja avaliação cabe à seccional da OAB onde o pedido é protocolado, por meio da respectiva Comissão de Seleção. O legislador, ao não estabelecer critérios taxativos ou objetivos para a aferição da idoneidade, delegou à Ordem dos Advogados do Brasil a tarefa de desenvolver parâmetros interpretativos que orientem essa análise, observando os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.
O conteúdo jurídico do conceito de “idoneidade moral” é tema de recorrente debate doutrinário. Parte significativa da doutrina entende que ele deve ser compreendido à luz da conduta social e profissional do requerente, considerando não apenas registros criminais, mas também sua reputação no meio em que vive, seu comportamento ético em outras atividades e seu histórico de relacionamento com instituições e terceiros.
Sobre a idoneidade moral, afirma Paulo Lôbo:
é um conceito indeterminado (porém determinável), cujo conteúdo depende da mediação concretizadora do Conselho competente, em cada caso. Os parâmetros não são subjetivos, mas decorrem da aferição objetiva de standards valorativos que se captam na comunidade profissional, no tempo e no espaço, e que contam com o máximo de consenso na consciência jurídica. De maneira geral, não são compatíveis com a idoneidade moral atitudes e comportamentos imputáveis ao interessado, que contaminarão necessariamente sua atividade profissional, em desprestígio da advocacia. (LÔBO, 2025, p. 112)
A ausência de condenações judiciais não é, por si só, garantia de idoneidade, do mesmo modo que a existência de procedimento judicial ainda não concluído não pode servir automaticamente como prova de inidoneidade, sob pena de violação ao princípio da presunção de inocência.
Nesse sentido, a jurisprudência do Conselho Federal da OAB tem reiteradamente afirmado que a idoneidade deve ser aferida de forma ampla, com base em critérios razoáveis e proporcionais, sempre assegurando ao interessado o direito à defesa.
RECURSO 2009.08.08704-05/SCA-STU. Rcte.: M.S.C.B. (Advs.: Cláudio Juarez Villanova Camboim OAB/RS 35153 e Outros). Rcdo.: Conselho Seccional da OAB/Rio Grande do Sul. Rel.: Conselheiro Federal Francisco de Assis Guimarães Almeida (RR). Rel. para o acórdão: Conselheiro Federal Durval Julio Ramos Neto (BA). EMENTA 281/2010/SCA – STU. A idoneidade moral, mais do que uma condição de ingresso no quadro da ordem, é uma permanente exigência na vida do advogado, mas para excluir o advogado do exercício da advocacia é necessário o quorum qualificado de dois terço exigido pelo art. 38, Parágrafo único, do EAOAB, e art. 108 do Regulamento Geral. Recurso Conhecido e dado provimento para decretar anulação do julgamento proferido pelo Conselho Seccional com a realização de novo julgamento, observando o quórum legal. ACÓRDÃO: vistos, relatados e discutidos estes autos acordam os integrantes da 2ª Turma da Segunda Câmara do CFOAB, por maioria de votos, em conhecer e dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator para o Acórdão. Brasília, 16 de novembro de 2010. Paulo Roberto de Gouvêa Medina, Presidente da 2ª Turma da Segunda Câmara. Durval Julio Ramos Neto, Relator para o Acórdão. (DJ. 21/12/2010, p. 42).
Ao mesmo tempo, reforça-se a responsabilidade institucional da OAB na proteção da imagem da advocacia, assegurando que apenas aqueles que efetivamente demonstrem conduta compatível com os valores éticos da profissão ingressem em seus quadros.
Complementarmente, o Código de Ética e Disciplina da OAB (Resolução n. 02/2015), embora voltado principalmente à conduta dos advogados já inscritos, reforça o compromisso ético que se espera de todos os integrantes da classe, desde o ingresso.
A ética profissional é, portanto, não apenas um valor normativo, mas uma exigência contínua, que acompanha o advogado durante toda sua trajetória profissional.
O Procedimento de verificação da idoneidade ética no registro inicial
O processo de inscrição nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil é regulamentado, em termos gerais, pelo Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/1994) e por normas internas das seccionais, sendo a verificação da idoneidade moral um dos pontos mais sensíveis e relevantes desse procedimento. Trata-se de uma etapa essencial, que visa garantir que apenas indivíduos que demonstrem comportamento compatível com os princípios éticos da profissão ingressem na advocacia, assegurando a credibilidade institucional da OAB e a confiança pública na atuação dos seus membros.
De acordo com Machado et al. (2015, p. 113):
[…] a análise da presumida idoneidade moral compete à OAB que geralmente irá examiná-la a partir de fatos trazidos pelo próprio requerente (quando comunica, por exemplo, possuir condenação criminal ou ter sido demitido de cargo a bem do serviço público) ou de fatos trazidos por qualquer pessoa (em regra no período de divulgação do edital de requerentes à inscrição que dá publicidade e permite a imputação/representação e qualquer integrante da sociedade por fatos que ponham em dúvida a credibilidade moral do requerente para advogar).
Compete à OAB analisar o atendimento dos requisitos legais para a inscrição nos seus quadros, inclusive quanto à idoneidade moral, podendo realizar diligências, requisitar documentos, ouvir testemunhas e convocar o requerente para prestar esclarecimentos.
RECURSO N. 49.0000.2017.004614-2/OEP. Recorrente: R.S.C. Interessado: Conselho Seccional da OAB/Minas Gerais. Relator: Conselheiro Federal Felipe Sarmento Cordeiro (AP). Ementa n. 022/2022/OEP. Recurso ao Órgão Especial do Conselho Pleno do Conselho Federal da OAB. Acórdão unânime da Primeira Câmara. Inscrição dos quadros da OAB. Artigo 8º do Estatuto da Advocacia e da OAB. Incidente de inidoneidade moral. Condenação criminal pelo crime de furto qualificado, fazendo-se o bacharel em direito passar-se por advogado para aplicar golpes em pessoas idosas, conduzindo as vítimas a cartórios e obtendo procuração para movimentação de contas bancárias, vindo a sacar quantias e delas se apropriar. Nítida demonstração de ausência de idoneidade moral para o exercício da advocacia. Recurso não provido. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os autos do processo em referência, acordam os membros do Órgão Especial do Conselho Pleno do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, observado o quorum exigido no art. 8, §3º, do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Brasília, 18 de abril de 2022. Rafael de Assis Horn, Presidente. Felipe Sarmento Cordeiro, Relator. (DEOAB, a. 4, n. 911, 05.08.2022, p. 3). (grifou-se)
A verificação da idoneidade moral não se limita à análise de antecedentes criminais. Embora a existência de certidões negativas de distribuição cível e criminal seja parte da documentação exigida, a Comissão de Seleção tem o dever de considerar outros elementos que possam comprometer a reputação do requerente, como envolvimento em práticas fraudulentas, condenações em conselhos de classe ou condutas incompatíveis com os preceitos éticos esperados de um advogado.
RECURSO N. 16.0000.2023.000153-8/PCA. Recorrente(s): L.R.F. Advogado(s): Thiago Luiz Portes Wendling OAB/PR 62129. Interessado(a/s): Conselho Seccional da OAB/Paraná. Relator(a): Conselheira Federal Zita Hortência Monteiro Maia (RN). Ementa. nº 015/2025/PCA. RECURSO. AVERIGUAÇÃO DE IDONEIDADE. CANCELAMENTO DE INSCRIÇÃO. CONDENAÇÃO CRIMINAL TRANSITADA EM JULGADO. OMISSÃO DE INFORMAÇÃO RELEVANTE NO PEDIDO DE INSCRIÇÃO. INIDONEIDADE RECONHECIDA. RECURSO DESPROVIDO. Recurso interposto contra decisão do Conselho Seccional da OAB/PR que declarou a inidoneidade moral do recorrente e determinou o cancelamento de sua inscrição, nos termos do art. 8º, inciso VI, §4º, da Lei nº 8.906/94. Comprovada a existência de condenação criminal transitada em julgado à época da inscrição, sem reabilitação judicial, além da omissão da referida informação no pedido de inscrição. Inidoneidade moral caracterizada. Alegações de prescrição e violação ao devido processo legal afastadas. Decisão mantida. Recurso conhecido e desprovido. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os autos do processo em referência, acordam os membros da Primeira Câmara do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, observado o quórum exigido no Art. 8º, §3º da Lei 8906/94, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto da relatora. Impedido de votar o Representante da OAB/Paraná. Brasília, 18 de março de 2025. Rose Morais, Presidente. Zita Hortência Monteiro Maia, Relatora. (DEOAB, a. 7, n. 1583, 10.04.2025, p. 3) (grifou-se)
Importante destacar que a idoneidade deve ser analisada no presente, sendo possível que fatos passados, já superados, não representem óbice ao ingresso, desde que demonstrada efetiva reabilitação moral.
RECURSO N. 49.0000.2020.008337-0/OEP. Recorrente: H.D.P.C. (Advogados: Elizete Aparecida Prospt de Oliveira OAB/SC 44.795 e Luiz Eduardo Cleto Righetto OAB/SC 18.453). Interessados: Conselho Seccional da OAB/Santa Catarina e Conselho Seccional da OAB/São Paulo. Relator: Conselheiro Federal Ticiano Figueiredo de Oliveira (DF). Ementa n. 135/2023/OEP. Análise acerca da inidoneidade moral. Cancelamento de inscrição. Art. 8º, VI, da lei 8.906/94. Pedido de transferência de inscrição originária. Preliminares. Não ocorrência da prescrição. Competência da OAB/SC para representar este Conselho Federal. Revisão, por representação, da inscrição originária. Observância do §4º do artigo 10 da lei 8.906/94. Mérito. Procedência do recurso. Ausência de condenação por crime infamante. Idoneidade moral configurada. Manutenção da inscrição ativa. Processamento do pedido de transferência pela OAB/SC. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os autos do processo em referência, acordam os membros do Órgão Especial do Conselho Pleno do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, observado o quórum exigido no art. 8º, 3º da Lei n. 8.906/94, por unanimidade, em dar provimento ao recurso, nos termos do voto do relator. Impedido de votar o Representante da OAB/São Paulo. Brasília, 17 de agosto de 2023. Renato da Costa Figueiredo, Presidente em exercício. Ticiano Figueiredo de Oliveira, Relator. (DEOAB, a. 5, n. 1195, 26.09.2023, p. 10). (grifou-se)
Observe-se que, diante da instauração incidental de inidoneidade no processo de inscrição do bacharel, tem-se a observância estrita das fases necessárias à observância da ampla defesa e contraditório. Nesse sentido:
RECURSO N. 06.0000.2023.000007-5/PCA Recorrente: W.M.P. [Advogados: Alex Xavier Santiago da Silva (OAB/CE 24390), João Marcelo Lima Pedrosa (OAB/CE 12511), Luccas Conrado Pereira Cipriano (OAB/CE 40592), Renan Benevides Franco (OAB/CE 23450)]. Interessado: Conselho Seccional da OAB/Ceará. Relator: Conselheiro Federal Ticiano Figueiredo de Oliveira (DF). Redator: Conselheiro Federal Roberto Serra da Silva Maia (GO). Ementa n. 026/2024/PCA. RECURSO. PROCESSO DE INSCRIÇÃO NOS QUADROS DA OAB. INCIDENTE DE INIDONEIDADE. VIOLAÇÃO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. NULIDADE ABSOLUTA. DECRETAÇÃO DE OFÍCIO. 1. A inidoneidade moral deve ser reconhecida em procedimento que observe os termos do processo disciplinar, segundo disposto expressamente no art. 8º, § 3º da Lei n. 8.906/1994. Desse modo, a despeito de ser da competência do Conselho Seccional, mediante a manifestação favorável de dois terços dos seus membros, o incidente de inidoneidade deverá respeitar a sequência básica a seguir destacada: a) Instauração do procedimento; b) Designação de relatoria; c) Defesa prévia; d) Despacho saneador; e) Instrução; f) Parecer preliminar; g) Razões finais; e h) Exame pelo Conselho Seccional. 2. A realização de julgamento pelo Conselho Seccional sem que obedecido o procedimento previsto em lei, macula o devido processo legal administrativo, devendo ser declarada ex officio a nulidade do procedimento originário desde a designação da Sessão Extraordinária pelo Conselho Seccional, com o retorno dos autos à origem para que os atos processuais sejam renovados com a observância do rito processual disciplinar; prejudicada a análise das teses suscitadas no recurso. 3. Recurso conhecido e nulidade decretada de ofício. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os autos do processo em referência, acordam os membros da Primeira Câmara do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, observado o quórum exigido no Art. 8º, §3º da Lei 8906/94, por maioria, vencido apenas o relator, conhecer e declarar, de ofício, a nulidade do procedimento, nos termos do voto-vista vencedor. Impedido de votar o Representante da OAB/Ceará. Registrada a abstenção do Conselheiro Federal José Pinto Quezado (TO). Brasília, 28 de maio de 2024. Sayury Silva de Otoni, Presidente. Roberto Serra da Silva Maia, Redator. (DEOAB, a. 6, n. 1370, 10.06.2024, p. 8). (grifou-se)
Importante destacar que a decisão de indeferimento da inscrição, com fundamento na inidoneidade moral, é passível de recurso. Em algumas situações, a via judicial também tem sido acionada por candidatos que alegam arbitrariedade ou cerceamento de defesa, o que reforça a necessidade de uma instrução processual robusta e imparcial.
Ementa: E M E N T A PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. INDEFERIMENTO DE INSCRIÇÃO NA OAB. INIDONEIDADE MORAL. AÇÕES PENAIS EM CURSO. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. REMESSA OFICIAL DESPROVIDA. 1. A questão posta nos autos diz respeito ao indeferimento de inscrição perante a Ordem dos Advogados do Brasil, com fundamento no art. 8º , VI , da Lei 8.906 /94. 2. Verifica-se que a inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil depende do preenchimento de requisitos previsto no art. 8º da Lei 8.906 /94. 3. Depreende-se que a inidoneidade moral deve ser declarada, em processo administrativo, mediante decisão de 2/3 dos membros do conselho competente acerca da existência de condenação por crime infamante. 4. Tratando-se de norma restritiva ao exercício profissional, evidente a necessidade de condenação penal transitada em julgado, sob pena de flagrante violação ao princípio constitucional da presunção de inocência. 5. Acrescenta-se que negar oportunidade de trabalho àqueles que ostentem condenações criminais impede a reintegração social do indivíduo frustrando, portanto, uma das finalidades das sanções penais. 6. Remessa oficial desprovida. (TRF-3 – RemNecCiv: 50069197320194036000 MS, Relator.: Desembargador Federal ANTONIO CARLOS CEDENHO, Data de Julgamento: 05/08/2021, 3ª Turma, Data de Publicação: Intimação via sistema DATA: 06/08/2021)
Há que se observar, por fim, que a condenação por crime infamante, nos casos em que não tenha havido reabilitação judicial, presume-se a inidoneidade moral nos termos do §4º, VI do art. 8º do EAOAB. Tem-se que:
Não é qualquer crime, mas aquele, entre os tipos penais, que provoca o forte repúdio ético da comunidade geral e profissional, acarretando desonra para seu autor, e que pode gerar desprestígio para a advocacia se for admitido seu autor a exercê-la. Infamante é conceito indeterminado, de delimitação difícil, devendo ser concretizado caso a caso pelo Conselho Seccional. (LÔBO, 2025, p. 115)
A sanção disciplinar de inidoneidade ética para advogados inscritos
A idoneidade ética não é apenas um requisito para o ingresso na Ordem dos Advogados do Brasil, mas um valor que deve ser mantido e cultivado ao longo de toda a vida profissional do advogado. Sua perda pode ensejar a mais grave das sanções disciplinares previstas no Estatuto da Advocacia: a exclusão dos quadros da OAB por inidoneidade superveniente, nos termos do artigo 34, inciso XXVII, da Lei nº 8.906/1994.
A referida norma tipifica como infração disciplinar “praticar ato que importe em inidoneidade moral para o exercício da advocacia”. Essa previsão destaca que, mesmo após regularmente inscrito, o advogado continua sujeito à avaliação da sua conduta ética, de modo que comportamentos incompatíveis com os valores da profissão podem ensejar não apenas sanções menores, como advertência ou suspensão, mas a exclusão definitiva do exercício profissional.
A tipificação do artigo 34, XXVII do EAOAB é, por sua natureza, aberta e valorativa. Isso significa que a sua aplicação exige uma análise contextualizada dos fatos e uma valoração jurídica pautada na razoabilidade e na proporcionalidade. A configuração da inidoneidade moral, nesse contexto, não pode se dar com base em critérios subjetivos ou moralismos genéricos. É necessário demonstrar que o ato praticado revela uma conduta profundamente incompatível com o exercício da advocacia, afetando a confiança pública na integridade do profissional e comprometendo a imagem da instituição.
A aplicação dessa penalidade exige o trâmite de processo disciplinar regular, regido pelo Código de Ética e Disciplina da OAB (Resolução n. 02/2015) e, no caso da OAB de São Paulo, complementado pelo Regimento Interno do Tribunal de Ética e Disciplina (TED/SP). O procedimento deve observar todas as garantias processuais, inclusive o contraditório, a ampla defesa e a fundamentação das decisões. A sanção de exclusão, por sua gravidade, só pode ser aplicada pelo Conselho Seccional, mediante deliberação fundamentada e com quórum qualificado de 2/3 do seus membros.
Importa destacar que a sanção de exclusão, uma vez aplicada, tem efeitos definitivos, impedindo o advogado de exercer a profissão. A eventual reabilitação poderá ser pleiteada após o decurso de um ano, estando o novo pedido acompanhado de provas de reabilitação, nos termos que dispõe o art. 11, §3º do EAOAB.
Caso a sanção exclusória esteja vinculada à prática de crime, necessária a reabilitação criminal prévia conforme art. 41 do EAOAB:
Art. 41. É permitido ao que tenha sofrido qualquer sanção disciplinar requerer, um ano após seu cumprimento, a reabilitação, em face de provas efetivas de bom comportamento.
Parágrafo único. Quando a sanção disciplinar resultar da prática de crime, o pedido de reabilitação depende também da correspondente reabilitação criminal.
Em termos jurisprudenciais, o Conselho Federal da OAB tem mantido a aplicação da sanção de exclusão em casos graves de desvio de conduta, como apropriação indébita, fraude processual, coação de testemunhas, reincidência em infrações éticas, entre outros. Em tais situações, entende-se que o advogado rompeu o vínculo de confiança essencial à função que exerce, tornando-se inidôneo para a advocacia.
RECURSO N. 49.0000.2017.007847-0/SCA-STU.
Recorrente: F.C.O.F. (Advogados: Rodrigo de Farias Teixeira OAB/CE 18.890 e Ubaldo Machado Feitosa OAB/CE 29.547). Recorrido: Conselho Seccional da OAB/Ceará. Relatora: Conselheira Federal Adélia Moreira Pessoa (SE). EMENTA N. 043/2019/SCA-STU. Recurso ao Conselho Federal da OAB. Processo de exclusão de advogado dos quadros da OAB. Inidoneidade moral para o exercício profissional. Participação de advogado em esquema criminoso de compra e venda de decisões judiciais, em plantões judiciários do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará. Art. 34, inciso XXVII, da Lei nº. 8.906/94. Inexistência de cerceamento de defesa e violação ao contraditório. Prova emprestada. Inquérito policial e pedido de providências no CNJ. Submissão ao crivo do contraditório no processo disciplinar. Provas suficientes de conduta inidônea. Recurso conhecido e não provido. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os autos do processo em referência, acordam os membros da Segunda Turma da Segunda Câmara do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, observado o quórum exigido no art. 108 do Regulamento Geral, por unanimidade, em conhecer e negar provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora. Brasília, 9 de abril de 2019. Carlos Roberto Siqueira Castro, Presidente. Adélia Moreira Pessoa, Relatora. (DEOAB, a. 1, n. 73, 12.04.2019, p. 16)
No mesmo sentido, casos em que não se reconheceu ofensas à classe da advocacia:
Recurso n. 49.0000.2019.008997-7/SCA-PTU.
Recorrente: Presidente do Conselho Seccional da OAB/Rio Grande do Sul (Gestão 2019/2021), Ricardo Ferreira Breier. Recorrido: G.A.N.Z. (Advogados: Rodrigo Grecelle Vares OAB/RS 76.064, Roger Censi Zaquia OAB/RS 96.774 e Silvio Vares Neto OAB/RS 9.380). Interessado: Conselho Seccional da OAB/Rio Grande do Sul. Relator: Conselheiro Federal Flávio Pansieri (PR). EMENTA N. 055/2021/SCA-PTU. Recurso ao Conselho Federal da OAB. Decisão definitiva e não unânime de Conselho Seccional da OAB. Advogado condenado por homicídio pelo Tribunal do Júri. Análise da conduta enquanto crime infamante e caracterização de inidoneidade moral para exclusão dos quadros da OAB. A condenação na esfera judicial não guarda relação com a esfera administrativa. Afastamento da necessidade de trânsito em julgado para averiguação de inidoneidade moral. Da análise dos autos, vê-se que a conduta do advogado não ofendeu a classe da advocacia ou da Ordem dos Advogados do Brasil, razão pela qual não resta caracterizado crime infamante e tampouco inidoneidade moral. Recurso desprovido. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os autos do processo em referência, acordam os membros da Primeira Turma da Segunda Câmara do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, observado o quorum exigido no art. 108 do Regulamento Geral, por unanimidade, em negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Brasília, 28 de junho de 2021. Ary Raghiant Neto, Presidente. Flávio Pansieri, Relator. (DEOAB, a. 3, n. 632, 30.06.2021, p. 1) (grifou-se)
Importante observar, entretanto, que havendo transgressão disciplinar que se amolde à conduta praticada pelo advogado, não é possível a imputação disciplinar de inidoneidade. Portanto, havendo tipos transgressionais específicos para as condutas descritas, bem como sua subsunção nos respectivos tipos, descabida qualquer pretensão de enquadramento a tipo transgressional genérico, como é o do inc. XXVII do art. 34 do EAOAB. Nesse sentido:
Recurso n.> 25.0000.2023.000213-4/SCA-TTU.
Recorrente: A.C.R.P. (Advogada: Alessandra Moller OAB/SP 163.547). Recorrido: Conselho Seccional da OAB/São Paulo. Relatora: Conselheira Federal Sinya Simone Gurgel Juarez (AP). EMENTA N. 005/2025/SCA-TTU. Recurso ao Conselho Federal da OAB. Processo disciplinar. Competência territorial. Art. 70, § 3º, EAOAB. Prorrogação. Nulidade processual de natureza relativa. Preclusão. A incompetência territorial não foi arguida oportunamente, razão pela qual fica operada a preclusão, prorrogando-se a competência firmada. Ausência de alegação oportunamente, prorrogando-se a competência da Subseção dentro da base territorial do mesmo Conselho Seccional da OAB (art. 70, EAOAB), a competência para a instauração e instrução de processos disciplinares atribuída às Subseções se torna menos relevante, desde que não prejudique o exercício do contraditório e da ampla defesa, o que não se verificou no caso, visto que a defesa restou exercida em todos as fases do processo, sem qualquer insurgência na fase instrutória. Conduta incompatível com a advocacia (art. 34, XXV, EAOAB). Advogada condenada criminalmente por integrar organização criminosa. Ausência de trânsito em julgado da condenação ao tempo da instauração do processo disciplinar. Entendimento deste Conselho Federal no sentido de que a infração disciplinar de praticar crime infamante (art. 34, XXVIII, EAOAB) demanda o trânsito em julgado de sentença penal condenatória como pressuposto para a instauração do processo disciplinar, ausente no presente caso. Deferimento, por outro lado, da reabilitação criminal. Afastamento, de plano, da tipificação do inciso XXVIII do art. 34 do EAOAB. Infração disciplinar de tornar-se moralmente inidônea para o exercício da advocacia (art. 34, XXVII, EAOAB). Tipificação que decorreria exclusivamente da conduta já tipificada no inciso XXV do artigo 34 do Estatuto da Advocacia e da OAB. Princípio da especialidade da norma – ou princípio da subsunção. A incidência de uma norma específica e adequada a um fato concreto afasta a incidência de uma norma genérica e abstrata sobre o mesmo fato. Entendimento desta Turma quanto à impossibilidade de uma mesma conduta ser tipificada em mais de um tipo infracional. Aplicação do princípio in dubio pro reo, enquanto regra de julgamento, de modo a afastar a tipificação mais grave, no caso, o inciso XXVII. Conduta incompatível com a advocacia (art. 34, XXV, EAOAB). Ausência de materialidade da infração disciplinar, aplicando-se os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Precedente recentíssimo do Órgão Especial que ressalta que a finalidade da pena – e da sanção disciplinar – deve ser a necessária repressão ou prevenção à prática de novas infrações ético-disciplinares, devendo ser aplicados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, os quais podem vir a indicar a desnecessidade da reprimenda, o que se verifica no presente caso, já que a advogada restou reabilitada criminalmente pelos mesmos fatos e comprovou sua reabilitação social, uma vez que trouxe aos autos certidão negativa de feitos criminais. Assim, se a instância penal reconheceu nada mais dever a advogada quanto aos fatos apurados, torna-se desproporcional à instância administrativa, a esta altura, considerar graves fatos que não mais existem, face ao efeito de apagamento atribuído pela reabilitação criminal. Recurso provido, para julgar improcedente a representação. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os autos do processo em referência, acordam os membros da Terceira Turma da Segunda Câmara do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, observado o quórum exigido no art. 108 do Regulamento Geral, por unanimidade, em dar provimento ao recurso, para julgar improcedente a representação, nos termos do voto da Relatora. Impedido de votar o Representante da OAB/São Paulo. Brasília, 10 de dezembro de 2024. Milena Gama Canto, Presidente. Sinya Simone Gurgel Juarez, Relatora. (DEOAB, a. 7, n. 1536, 03.02.2025, p. 20) (grifou-se)
Conclusão
A idoneidade ética constitui elemento estrutural da profissão de advogado, sendo mais do que uma formalidade de ingresso ou um critério abstrato de julgamento: trata-se de um verdadeiro compromisso institucional com os valores que norteiam a atuação profissional no Estado Democrático de Direito. A sua exigência, tanto para o registro inicial quanto para a permanência nos quadros da OAB, é expressão concreta da responsabilidade social da advocacia e da confiança que a sociedade deposita na integridade de seus representantes legais.
O processo incidental de inidoneidade no momento da inscrição do bacharel nos quadros da OAB (art. 8º, §3º do EAOAB), bem como a sanção disciplinar de inidoneidade, prevista no artigo 34, inciso XXVII, da Lei nº 8.906/1994, revelam-se como instrumentos importantes para a análise dos padrões éticos da profissão. O impedimento da inscrição ou a exclusão do advogado, contudo, demandam não apenas a existência de provas robustas e concretas da inidoneidade, mas também um processo disciplinar conduzido com imparcialidade, transparência e profundo respeito aos direitos do representado.
LÔBO, Paulo. Comentários ao Estatuto da Advocacia. São Paulo: Saraiva, 2025.
MACHADO, Alberto de Paula et al. Estatuto da advocacia e da OAB comentado. Curitiba: OAB, 2014.