Litigância predatória e o abuso do direito de defesa: os riscos da análise seletiva de um mesmo problema

1. Introdução

O discurso institucional sobre a morosidade do Poder Judiciário frequentemente recai sobre a chamada litigância predatória, apontada como a principal responsável pela sobrecarga processual e pelo comprometimento da qualidade da prestação jurisdicional. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio da Recomendação nº 159/2024, estabeleceu diretrizes para conter esse fenômeno, sugerindo a adoção de filtros processuais e punições para advogados que ajuízem um número considerado excessivo de ações.

O problema desse raciocínio é que ele ataca um efeito, e não a causa. Se há um grande volume de processos sobre temas repetidos, não é necessariamente porque advogados ajuízam ações de forma abusiva, mas porque certos litigantes reincidem sistematicamente em condutas lesivas, forçando consumidores e cidadãos a buscar o Judiciário para obter reparação.

Além disso, a análise proposta pelo CNJ ignora um fator essencial: o litígio, muitas vezes, representa uma vantagem econômica para os grandes litigantes. Empresas como bancos, operadoras de telecomunicações, seguradoras e o próprio Estado são litigantes habituais e estão constantemente envolvidos em disputas judiciais semelhantes. Para essas entidades, a judicialização não é um problema, mas sim parte de uma estratégia de negócios.

Esses grandes litigantes sabem que apenas uma pequena parcela dos prejudicados ingressará com ação judicial, seja por falta de informação, barreiras econômicas ou simples cansaço diante da burocracia. Como o valor das condenações é limitado apenas à compensação dos danos causados, sem punição adicional pela reincidência, o resultado prático é um incentivo perverso: vale mais a pena continuar errando e responder a algumas ações do que corrigir a prática lesiva.

2. O Conceito de litigância predatória e a falta de uniformidade jurídica

Embora o termo litigância predatória seja amplamente utilizado, não há uma definição jurídica consolidada sobre o tema. Diferente da litigância de má-fé, que está expressamente prevista no artigo 80 do Código de Processo Civil (CPC), a litigância predatória tem sido aplicada de forma jurisprudencial e interpretativa, sem um critério normativo claro.

A litigância de má-fé envolve condutas objetivamente definidas na legislação, como alterar a verdade dos fatos, interpor recursos protelatórios ou usar o processo com objetivos ilegítimos. Já a litigância predatória tem sido associada, de maneira genérica, ao ajuizamento massivo de ações semelhantes, sem necessariamente avaliar se tais demandas são legítimas ou se decorrem de uma violação sistemática de direitos.

Essa imprecisão gera riscos sérios à advocacia. Sem uma definição clara, advogados podem ser punidos arbitrariamente por atuarem em ações de massa, ainda que tais demandas sejam fundamentadas e respaldadas pela legislação. O próprio Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) incentiva o acesso à Justiça para garantir direitos individuais e coletivos, e muitas das ações massificadas decorrem justamente da violação reiterada desses direitos por grandes corporações.

O combate à litigância predatória, para ser legítimo, deveria estabelecer critérios objetivos, diferenciando práticas fraudulentas de demandas legítimas, bem como identificando e punindo eventuais abusos no exercício do direito de defesa, mormente pelos litigantes passivos habituais. Caso contrário, o resultado será um sistema de Justiça seletivo, que pune advogados e cidadãos que buscam reparação, mas protege aqueles que instrumentalizam a morosidade processual para evitar condenações.

3. Defesa predatória: o lado ignorado da litigância abusiva

Se a litigância predatória tem sido tratada como um problema para o Judiciário, a defesa predatória deveria receber a mesma atenção. No entanto, essa prática, amplamente utilizada por grandes litigantes, segue sem qualquer controle efetivo.

A defesa predatória ocorre quando empresas e entes públicos adotam estratégias para prolongar indefinidamente a tramitação dos processos, visando desestimular os autores das ações. Isso é feito por meio de contestações padronizadas, sem qualquer análise do caso concreto, e da interposição de recursos em massa, muitas vezes sem qualquer fundamento jurídico sólido.

Enquanto advogados que ajuízam ações massificadas estão sendo punidos sob a alegação de abusividade, escritórios que produzem milhares de contestações genéricas para bancos e operadoras de telefonia não sofrem qualquer sanção.

Segundo o anuário do CNJ [Justiça em números de 2024](https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2024/05/justica-em-numeros-2024-v-28-05-2024.pdf), os maiores litigantes do Brasil (polo ativo) com o ingresso de ações no 1º grau de jurisdição foram: Ministério da Fazenda (2 milhões, 2,42% do total de ações), o TJSP (?) e os municípios de São Paulo e Guarulhos. Por sua vez, o ente mais demandado (polo passivo) é o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), com 3,8 milhões de processos previdenciários, o que representa 4,5% do acervo nacional. Em segundo lugar está a Caixa Econômica Federal (CEF), que possui 2,4 milhões de processos em tramitação. Importante observar que o Poder Público ocupa a posição de destaque tanto no polo passivo quanto no ativo, representando 11,7% dos processos em andamento contra a administração pública, defesa e seguridade social, e 29,5% dos casos pendentes ajuizados pela própria administração pública.

O impacto da defesa predatória é imenso. Processos que poderiam ser resolvidos em poucos meses se arrastam por anos, enquanto os grandes litigantes se beneficiam da lentidão para reduzir suas obrigações financeiras e dificultar a reparação dos danos causados.

Se há um interesse real em melhorar a eficiência do Judiciário, o combate à litigância predatória deve ser ampliado para incluir a defesa predatória, garantindo que todas as formas de abuso processual sejam combatidas com isonomia.

4. O uso do poder geral de cautela para restringir a advocacia

Nos últimos anos, magistrados têm utilizado o poder geral de cautela (art. 297 do CPC) para restringir preventivamente o ajuizamento de ações por determinados advogados ou escritórios, sob a justificativa de litigância predatória. Essa prática tem gerado grande preocupação na advocacia, pois pode ser usada como uma ferramenta para cercear o direito de ação, sem a devida fundamentação jurídica.

A aplicação do poder geral de cautela nesses casos deve ser vista com extrema cautela, pois, se utilizada de forma indiscriminada, pode representar uma violação ao princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal).

O uso desse mecanismo sem critérios objetivos pode resultar em um Judiciário ainda mais restritivo, onde advogados passam a ser punidos não por condutas ilegais, mas simplesmente por atuarem em causas que envolvem grandes litigantes.

5. O uso estratégico da morosidade processual pelos grandes litigantes

Empresas e entes públicos que figuram como réus em um grande número de processos se encaixam no conceito de repeated players, ou litigantes habituais, que auferem vantagens quando demandam contra litigantes ocasionais . Diferente dos demandantes comuns, que ingressam com ações esporadicamente, esses grandes litigantes têm experiência processual e poder econômico para moldar sua estratégia de forma a obter vantagens na longa duração.

Em pesquisa de jurimetria aplicada às demandas bancárias em 2019, no Estado de São Paulo, constatou-se que os bancos figuraram mais como réus (69,14%) do que como autores de ações judiciais (30,84%). [1]

Isso ocorre porque o custo da judicialização é amplamente compensado pelos benefícios da postergação. Quando uma empresa incorre em uma prática abusiva – como cobrança indevida, negativa de cobertura de plano de saúde ou aplicação de tarifas ilegais –, ela sabe que apenas uma fração dos prejudicados buscará o Judiciário.

Além disso, mesmo quando uma ação é ajuizada, essa empresa pode adotar estratégias processuais para protelar ao máximo o pagamento de indenizações ou a devolução de valores. Recursos sucessivos, contestações genéricas e embargos protelatórios não são utilizados para questionar o mérito das demandas, mas para ganhar tempo, apostando no desânimo dos demandantes.

Essa prática é extremamente lucrativa porque:

  1. Reduz o impacto financeiro das condenações: A empresa só paga pelo que for efetivamente julgado, sem sofrer sanções pelo volume de ações.
  2. Aproveita o desgaste dos consumidores e trabalhadores: Muitos desistirão ao longo do processo, aceitando acordos desfavoráveis ou simplesmente abandonando a demanda.
  3. Postergam pagamentos para o futuro: Com a morosidade processual, condenações só são efetivadas anos depois, muitas vezes com valores depreciados pela inflação.

O Estado segue a mesma lógica ao retardar ao máximo o pagamento de precatórios, utilizando o Judiciário como um instrumento para postergar despesas obrigatórias.

O problema, portanto, não está apenas no volume de ações, mas no fato de que o próprio sistema incentiva grandes litigantes a manter práticas abusivas, pois o custo de litigância é menor do que o custo de cumprir a lei.

6. A Recomendação nº 159/2024 do CNJ e a aplicação assimétrica do combate à Litigância Predatória

Recomendação nº 159, de 23 de outubro de 2024, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foi editada com o objetivo de estabelecer diretrizes para o combate à litigância predatória, orientando magistrados e tribunais na adoção de medidas para mitigar os efeitos desse fenômeno. Entre suas diretrizes, destacam-se o incentivo ao uso de inteligência artificial para identificar padrões de litigância abusiva, a triagem processual mais rigorosa e o fomento à conciliação e mediação como alternativa ao litígio judicial.

Em seu artigo 1º, a Recomendação º 159 do CNJ estabelece que litigância abusiva deve ser:

entendida como o desvio ou manifesto excesso dos limites impostos pela finalidade social, jurídica, política e/ou econômica do direito de acesso ao Poder Judiciário, inclusive no polo passivo, comprometendo a capacidade de prestação jurisdicional e o acesso à Justiça. (grifou-se)

Essa conceituação da Recomendação nº 159/2024 do CNJ, entretanto, elaborada através de conceitos vagos e indeterminados, não é aperfeiçoada pelas recomendações constantes em seus anexos. Em seu Anexo A, que lista condutas consideradas abusivas, todas as práticas mencionadas estão relacionadas ao polo ativo do processo, ou seja, ao autor da ação e seu advogado. Não há qualquer menção à defesa predatória, mesmo que ela seja tão prejudicial quanto – ou até mais – para o congestionamento do Judiciário.

Essa ausência não é acidental. A judicialização excessiva não decorre apenas do volume de ações, mas do fato de que grandes litigantes não enfrentam qualquer tipo de sanção pela repetição de condutas lesivas. O sistema jurídico brasileiro não prevê punições para reincidentes processuais, o que permite que empresas e órgãos públicos lucrem com a morosidade, atrasando condenações e desestimulando novas demandas.

No mesmo sentido, as decisões judiciais baseadas na Recomendação nº 159/2024 do CNJ, onde não se observar qualquer restrição ou questionamento aos abusos relacionados ao direito de defesa das grandes empresas e do próprio Estado:

APELAÇÃO – CONTRATO BANCÁRIO – AÇÃO REVISIONAL – INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL – INCONFORMISMO – REJEIÇÃO – Rejeitada preliminar de violação à dialeticidade recursal – Sentença que indeferiu a petição inicial de ação revisional – Descumprido prazo de emenda para juntada de procuração com firma reconhecida e de documentos comprobatórios da hipossuficiência financeira alegada ou do comprovante de recolhimento das custas iniciais – Cabimento – Presentes indícios de litigância predatória – Medidas determinadas em conformidade com o Comunicado CG nº 424/2024 e com a Recomendação CNJ nº 159/2024 – Sentença mantida – NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, com observação.
(TJ-SP – Apelação Cível: 10111363120248260100 São Paulo, Relator: Alexandre Coelho, Data de Julgamento: 29/11/2024, Núcleo de Justiça 4.0 em Segundo Grau – Turma I (Direito Privado 2), Data de Publicação: 29/11/2024) (grifou-se)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. Decisão agravada que determinou a reunião do feito com outros previamente ajuizados. Inconformismo do autor. Apreciação pelo colegiado do pedido de efeito antecipatório e, desde já, estando o recurso maduro para julgamento, pode se dar o seu deslinde de plano. Sem razão alguma o corrente. Processos que, além de distribuídos no mesmo momento e contra a mesma instituição financeira, encontram-se na mesma fase processual. Justificada a reunião dos feitos, nos termos do art. 55, § 3º do CPC. Inadmissível e até mesmo predatória a fragmentação artificial de pretensões, conforme Enunciado nº 6 do NUMOPEDE (Comunicado CG nº 424/2024) e Recomendação CNJ nº 159/2024. Efeito suspensivo denegado e, desde já, julgado o recurso, com a decisão ficando mantida. Recurso desprovido.
(TJ-SP – Agravo de Instrumento: 23771865520248260000 Pompéia, Relator: Roberto Maia, Data de Julgamento: 13/12/2024, 20ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 13/12/2024)
(grifou-se)

O argumento econômico utilizado pelo CNJ para combater a litigância predatória, portanto, é contraditório. Se o objetivo fosse reduzir custos e garantir maior eficiência, a recomendação deveria se voltar também para os atores que transformaram a morosidade judicial em uma estratégia comercial e administrativa.

7. O Tema 1.198 do STJ e a necessidade de critérios objetivos

Superior Tribunal de Justiça (STJ) atualmente analisa o Tema 1.198, que busca definir critérios objetivos para a caracterização da litigância predatória e diferenciá-la de demandas legítimas. Esse julgamento, que seria de extrema importância para a advocacia e para o sistema judiciário, infelizmente – assim como a Recomendação nº 159 do STJ – mostra-se enviesado.

Isso porque a questão submetida ao julgamento do tribunal restringe-se, essencialmente, ao suposto abuso do direito de ação do polo ativo, ao analisar a:

PROPOSTA DE AFETAÇÃO. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO CONTRA ACÓRDÃO PROFERIDO NO JULGAMENTO DE IRDR. RITO DOS RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS. CONTRATOS BANCÁRIOS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA COM REPETIÇÃO DE VALORES INDEVIDAMENTE DESCONTADOS E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INDÍCIOS DE LITIGÂNCIA PREDATÓRIA. EXIGÊNCIA DE DOCUMENTOS CAPAZES DE EVIDENCIAR, MINIMAMENTE, O DIREITO ALEGADO. PODER GERAL DE CAUTELA. 1. Delimitação da controvérsia: Possibilidade de o juiz, vislumbrando a ocorrência de litigância predatória, exigir que a parte autora emende a petição inicial com apresentação de documentos capazes de lastrear minimamente as pretensões deduzidas em juízo, como por exemplo: procuração atualizada, declaração de pobreza e de residência, cópias do contrato e dos extratos bancários. 2. Recurso especial afetado ao rito do art. 1.036 NCPC, com manutenção da suspensão dos processos pendentes determinada pelo Tribunal estadual. (STJ – ProAfR no REsp: 2021665 MS 2022/0262753-6, Relator: Ministro MOURA RIBEIRO (1156), Data de Julgamento: 02/05/2023, S2 – SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 09/05/2023) (grifou-se)

Se a decisão do STJ for baseada em critérios genéricos ou excessivamente amplos, há o risco de que qualquer advogado que atue em demandas repetitivas seja tratado como litigante predatório, o que pode levar à punição arbitrária e à restrição injustificada da atividade profissional.

De outro lado, a necessidade de critérios objetivos se torna ainda mais evidente quando se observa a assimetria com a qual a litigância predatória vem sendo combatida.

Nesse sentido, se a preocupação com a sobrecarga do Judiciário é legítima, então não faz sentido que apenas advogados e jurisdicionados que ajuízam ações sejam fiscalizados, enquanto grandes litigantes seguem utilizando recursos protelatórios sem qualquer sanção.

Assim, tem-se que a decisão do STJ deve levar em consideração que a litigância predatória não pode ser vista apenas sob o viés do direito de ação, mas também sob a ótica da defesa abusiva.

8. O Risco da restrição indevida ao direito de ação

As providências adotadas pelo Poder Judiciário para prestigiar o acesso á Justiça, minimizar custos e melhorar e eficiência na prestação jurisdicional através do combate à litigância predatória, não se sustenta. A rigor, há diversas causas que interferem na qualidade dos serviços judiciários e nenhuma delas é atacada pela Recomendação nº 159/2024 ou pela julgamento do Tema 1198 do STJ.

Se a preocupação do Poder Judiciário é realmente melhorar a eficiência da Justiça, o foco deveria ser equilibrar a responsabilização processual entre autores e réus. Algumas medidas que poderiam ser adotadas incluem:

  1. Punição para Litigantes Reincidentes
    Empresas e entes públicos que figuram constantemente como réus em demandas semelhantes deveriam sofrer sanções progressivas, de modo que a repetição de condutas abusivas tivesse um custo crescente.
  2. Maior Controle Sobre Recursos Protelatórios
    Recursos sucessivos e embargos manifestamente infundados deveriam ser limitados para evitar que grandes litigantes utilizem o processo como um instrumento de adiamento de obrigações.
  3. Diferenciação Entre Litigância Predatória e Demandas Legítimas
    Recomendação nº 159/2024 deveria estabelecer critérios objetivos para distinguir ações abusivas de demandas legítimas, especialmente nas áreas de direito do consumidor, trabalhista e previdenciário.
  4. Inversão de Incentivos Econômicos
    Em vez de restringir o direito de ação, o Judiciário deveria adotar medidas para tornar o descumprimento da lei mais oneroso do que o cumprimento voluntário. Isso poderia ser feito por meio de indenizações punitivas para empresas reincidentes ou da possibilidade de execução coletiva de condenações, evitando que cada consumidor precise ingressar com uma ação individual.

Enfim, a adoção de medidas rigorosas para coibir a litigância predatória deve ser feita com extrema cautela, para que não resulte em uma limitação injustificada do direito de acesso à Justiça. O princípio da inafastabilidade da jurisdição, consagrado no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, estabelece que a lei não pode excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

Entretanto, o excesso de filtros processuais, a imposição de barreiras tecnológicas ao ajuizamento de ações e o uso abusivo do poder geral de cautela para impedir preventivamente a atuação de advogados podem resultar em um cenário no qual apenas grandes empresas e instituições públicas conseguem litigar sem restrições, enquanto os pequenos demandantes enfrentam obstáculos quase intransponíveis.

O cerceamento do direito de ação também pode comprometer a tutela de direitos fundamentais, especialmente em demandas consumeristas, trabalhistas e previdenciárias. Muitas dessas ações são propostas por cidadãos em situação de vulnerabilidade, que não possuem outro meio de buscar a reparação de seus direitos a não ser por meio da Justiça.

Por essa razão, qualquer regulamentação sobre litigância predatória deve garantir que o direito de ação seja preservado e protegido, evitando que restrições excessivas beneficiem apenas os grandes litigantes.

9. Considerações finais: afinal, quem são os verdadeiros predadores do sistema judicial brasileiro?

O debate sobre litigância predatória tem sido conduzido de forma parcial, focando exclusivamente no controle do ajuizamento de ações e ignorando o impacto da defesa predatória no congestionamento do Judiciário. Essa abordagem seletiva cria um sistema de Justiça desigual, no qual advogados e pequenos demandantes são punidos, enquanto grandes litigantes continuam se beneficiando da morosidade processual.

Se há um interesse genuíno em tornar o Judiciário mais eficiente, é fundamental que todas as formas de abuso processual sejam combatidas de maneira equilibrada. O combate à litigância predatória não pode se limitar à restrição do direito de ação, mas deve incluir também mecanismos eficazes para impedir a defesa predatória e a instrumentalização da morosidade processual como estratégia comercial e política.

O verdadeiro problema do sistema de Justiça não está nas pequenas ações ajuizadas por cidadãos em busca de seus direitos, mas nas estratégias utilizadas por grandes litigantes para adiar indefinidamente o cumprimento de suas obrigações.

Se o Judiciário deseja realmente combater a litigância predatória, precisa responder a uma pergunta fundamental: quem são os verdadeiros predadores do sistema?

[1] GREGORINI, Pedro Augusto ; BERTRAN, Maria Paula Costa. JURIMETRIA APLICADA ÀS DEMANDAS BANCÁRIAS: ESTATÍSTICA DOS TIPOS DE PROCEDIMENTO E ASSUNTOS MAIS FREQUENTES NAS AÇÕES AJUIZADAS PELOS BANCOS NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO. Revista de Direito, Direito, Governança e Novas Tecnologias | e-ISSN: 2526-0049 | XXIX Congresso Nacional| v. 8 | n. 2 | p. 01 – 19 | Jul/Dez. 2022. Disponível em: https://www.indexlaw.org/index.php/revistadgnt/article/view/9166/pdf. Acesso em: 15 fev 2025.

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Rogério Mello

Rogério Mello

Advogado USP, Professor Universitário, Mestre e Doutor, Especialista em Direito Público e Militar.