Da inconstitucional contribuição compulsória do Policial Militar à Cruz Azul

Desde 1974, uma lei que não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988 ainda obriga Policiais Militares a contribuirem com 2% de seus vencimentos a título de assistência médico-hospitalar e odontológica de seus dependentes. Introdução A Polícia Militar do Estado de São Paulo possui mais de 90 mil homens e mulheres em seus quadros, que demandam uma assistência à saúde integral e de qualidade a si próprios e a seus dependentes. Ocorre que lei já reconhecidamente inconstitucional continua sendo utilizada para a cobrança compulsória de percentual dos vencimentos dos Policiais Militares, ainda que nunca tenham – em muitos casos – se beneficiado de qualquer serviço relacionado a tal contribuição. 1. Caixa Beneficente da Polícia Militar e Associação Cruz Azul A Caixa Beneficente da Polícia Militar do Estado de São Paulo (CBPM) é entidade previdenciária, médico-hospitalar e odontológica de natureza autárquica, que possui personalidade jurídica e patrimônio próprio. A Associação Cruz Azul de São Paulo, por sua vez, é uma instituição privada com fins beneficentes, filantrópicos e educacionais, que atende os beneficiários da Caixa Beneficente da Polícia Militar, conforme estabelecido no artigo 30 combinado com o inciso I do artigo 32, bem como nos incisos I, II, III e IV do artigo 6º da Lei Estadual nº 452, de 2 de outubro de 1974. Nesse sentido, é cobrado mensalmente – dos salários brutos dos Policiais Militares ativos e inativos – uma quantia de 2% (dois por cento) e das Pensionistas uma quantia de 1% (um por cento), obrigatoriamente, para cobrir os custos com assistência médica dos dependentes legais dos servidores militares (e não dos PM). Esses valores são transferidos para a Associação Cruz Azul. Essa dedução é realizada por meio do código 070.018. Como resultado desse desconto nos vencimentos dos policiais, todos os servidores e pensionistas são obrigados a se associarem à empresa privada chamada Cruz Azul de São Paulo, que tem como objetivo fornecer benefícios relacionados à saúde, além de ter um caráter filantrópico e educacional. Em regra, a Cruz Azul possui hospital e ampla gama de serviços à saúde disponível, apenas, na Capital do Estado; atualmente, algumas poucas cidades do interior passaram a contar com parcela desses serviços. A fim de suprir a falta de atendimento médico-hospitalar e odontológico a seus dependentes, os Policiais Militares que vivem no interior do Estado são obrigados a contratar outro plano de saúde, sem qualquer possibilidade de aproveitamento do convênio imposto com a Cruz Azul através da Caixa Beneficente da Polícia Militar. 2. Da inconstitucionalidade da contribuição compulsória à CBPM/Cruz Azul Inconstitucional a instituição de contribuição compulsória para fins de assistência médica, sendo que o artigo 149, § 1º da Constituição Federal, após a edição de EC 41/03, autorizou a instituição de contribuição pelos Estados, DF e Municípios apenas para fins previdenciários, porquanto a associação do servidor à assistência médica da CBPM deve ser facultativa: Art. 149 § 1º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, por meio de lei, contribuições para custeio de regime próprio de previdência social, cobradas dos servidores ativos, dos aposentados e dos pensionistas, que poderão ter alíquotas progressivas de acordo com o valor da base de contribuição ou dos proventos de aposentadoria e de pensões. Nesse sentido: APELAÇÃO. POLICIAL MILITAR. Contribuição para assistência médico-hospitalar e odontológica. Exclusão da Associação Cruz Azul de São Paulo do pólo passivo da demanda. Impossibilidade de se atribuir caráter compulsório à contribuição instituída pela Lei Estadual nº 452/74. Compulsoriedade da contribuição em questão que não foi recepcionada pela Constituição Federal. Violação aos artigos 5º, inciso XX e 149, § Io, da CF. Cessação dos descontos devida. Restituição apenas das importâncias descontadas após a citação, nos termos do art. 219, do CPC. Procedência parcial da ação. Recurso da Cruz Azul provido, negado provimento ao recurso da CBPM e provido em parte o reexame necessário Policial Militar – Caixa beneficente – Cruz Azul -Legitimidade – A Lei Estadual nº 452/74 foi recepcionada pela Constituição da Republica, não sendo inconstitucional. O policial militar não tem vínculo com a Cruz Azul, que é conveniada com a Caixa Beneficente da Polícia Militar, de forma que não há como se desligar daquilo com o que não é ligado. Não tem a Cruz Azul legitimidade para figurar no polo passivo da demanda. Recursos providos (TJ-SP – APL: 990102502031 SP, Relator: Vera Angrisani, Data de Julgamento: 21/09/2010, 2ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 27/09/2010) Inquestionável, ainda, a ofensa ao princípio da liberdade de associação previsto na Constituição: Art. 5º… XX – Ninguém poderá ser compelido a associar-se ou permanecer associado; 3. Da continuidade abusiva da cobrança da contribuição à Cruz Azul Essa mesma questão da inconstitucionalidade dos dispositivos da Lei Estadual 452/74 já foi enfrentada pelo Órgão Especial do TJSP. Infelizmente, entretanto, os efeitos da declaração prevaleceram, apenas, no âmbito daquele processo. Nesse sentido: CAIXA BENEFICENTE DA POLÍCIA MILITAR. Assistência médica e odontológica prestada pela Associação Cruz Azul de São Paulo. Ilegitimidade passiva da Cruz Azul de São Paulo. Caracterização. Contribuição de 2% dos vencimentos e proventos. Obrigatoriedade prevista na lei Estadual nº 452/74. Incompatibilidade com a Constituição Federal de 1988. Sistema de saúde que não pode ser de filiação obrigatória. Entendimento já adotado pelo Órgão Especial, no Incidente de inconstitucionalidade nº179.355.0/1. Pedido parcialmente procedente. R. sentença reformada, em parte. Recurso parcialmente provido. (TJ-SP – APL: 994071894077 SP, Relator: Paulo Galizia, Data de Julgamento: 08/11/2010, 10ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 25/11/2010) Por fim, há que se esclarecer que a Caixa Beneficente da Polícia Militar, quando instada a providenciar a exclusão do associado de seus quadros e cessar o respectivo desconto da mensalidade compulsoriamente cobrada do policial militar, esclarece que “não poderá atender ao pedido de cessação da contribuição de Assistência Médica, por falta de amparo legal nos termos do artigo 32 da Lei nº 452/74.” Conclusão Evidencia-se, portanto, a necessidade de se à JUSTIÇA para fazer cessar tal contribuição, inconstitucional e, em muitos casos, inútil ao Policial Militar e seus dependentes. #caixabeneficente #cbpm #cruzazul #policialmilitar #policiamilitar
Reintegração judicial do policial militar demitido ou expulso

O que leva à demissão ou expulsão do militar do Estado e como conseguir, diante do caso concreto, retornar ao cargo público com todos os seus direitos reestabelecidos. A carreira de um policial militar está repleta de desafios e responsabilidades significativas. No entanto, há momentos em que, por variadas razões, um policial pode se ver diante de um dos maiores desafios de sua carreira: a demissão ou expulsão da corporação. Este evento não apenas interrompe abruptamente a trajetória profissional do indivíduo, mas também afeta profundamente sua vida pessoal e familiar. A importância da reintegração judicial não reside apenas na possibilidade de retorno ao trabalho, mas também na reafirmação dos direitos e justiça para o policial militar. É um processo que exige compreensão detalhada da legislação, paciência e o suporte de profissionais qualificados em direito militar. 1. Da perda do cargo policial militar em razão de crime O policial militar, mais do que qualquer outro cidadão, submete-se a um rígido sistema de controle das suas condutas sujeitando-se, simultaneamente, a consequências de ordem criminal (comum ou militar), disciplinar e civil. Criminalmente, é possível que o policial militar tenha a perda do cargo como efeito da condenação por crime comum, nos termos do art. 92 do Código Penal: Art. 92 – São também efeitos da condenação: I – a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo: a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública; b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos. No caso de crimes militares, a Constituição Federal estabelece que: Art. 125 – Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição […] § 4ºº Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. Representação para Perda de Graduação – Corrupção passiva – Policial Militar que, durante fiscalização do policiamento rodoviário, aceita vantagem indevida para deixar de realizar ato de ofício. Preliminares de ausência de pressuposto para a representação, diante do prévio reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva e da incompetência da Justiça Militar para aplicar pena disciplinar rechaçadas. Alegação de suficiência da reprimenda penal não acolhida. Demonstrada absoluta incompatibilidade para a função policial militar, cristalizada na conduta que resultou a imposição da pena criminal. Decretada a perda de graduação de praça. Determinada a cassação de láureas e medalhas eventualmente outorgadas. (TJ-MSP – PERDA DE GRADUACAO DE PRACA: 0018602019, Relator: CLOVIS SANTINON, Data de Julgamento: 16/09/2019, Pleno) No mesmo sentido: Representação para Declaração de Indignidade – Oficial condenado por concussão, em razão da exigência de vantagem indevida de suposta esposa de traficante, sob ameaça de intrujar drogas em sua residência e acusa-la de tráfico perante a autoridade policial. Aplicada a pena de dois anos e oito meses de reclusão. Fatos cobertos pelo manto da coisa julgada – Preliminar de carência de objeto do processo, diante da precedente perda do posto e patente consolidada na decisão do Conselho de Justificação instaurado para apurar os mesmos fatos. Natureza e objetos distintos dos procedimentos que não autorizam o reconhecimento da preliminar – Suscitado o impedimento dos julgadores, em razão de manifestações sobre os fatos. Hipótese que não se amolda à previsão legal. Preliminares afastadas – Conduta incompatível com o Oficialato – Representação procedente para decretar a perda do posto e da patente do Oficial. (TJ-MSP – INDIGNIDADE PARA O OFICIALATO: 0000592019, Relator: CLOVIS SANTINON, Data de Julgamento: 16/09/2019, Pleno) Em resumo, a perda da graduação das praças ou do posto e patente por oficiais, no caso de crimes militares, será decidida em processo específico junto ao Tribunal de Justiça Militar. No caso de crime comum, a perda do cargo público tanto das praças quanto dos oficiais pode se dar como um dos efeitos da sentença penal condenatória. Em qualquer caso, entretanto, independentemente da quantidade da pena imposta e da natureza do crime cometido (comum ou militar), oficiais e praças podem ser julgados em razão de atos que revelem incompatibilidade ético-moral do militar com a Instituição a que pertence. Tal julgamento se dá através de processo autônomo iniciado por representação do Ministério Público junto ao Tribunal de Justiça Militar, a fim de decidir sobre a eventual perda da graduação das praças ou do posto e patente dos oficiais. Nesse sentido: CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 1.200. ALCANCE DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR, ONDE HOUVER, OU JUSTIÇA ESTADUAL, PARA DECRETAR, COM BASE NO ART. 125, § 4º, DA CF/1988, A PERDA DO POSTO E DA PATENTE DE OFICIAL E DA GRADUAÇÃO DE PRAÇA QUE TEVE CONTRA SI UMA SENTENÇA CONDENATÓRIA, INDEPENDENTEMENTE DA NATUREZA DO CRIME COMETIDO. POSSIBILIDADE. A PERDA DA GRADUAÇÃO DA PRAÇA PODE SER DECLARADA COMO EFEITO SECUNDÁRIO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA PELA PRÁTICA DE CRIME MILITAR OU COMUM, CONFORME ART. 102 DO CÓDIGO PENAL MILIAR E ART. 92, I, B, DO CÓDIGO PENAL, RESPECTIVAMENTE. A AUSÊNCIA DE DECLARAÇÃO DA PERDA DO POSTO E DA PATENTE DE OFICIAIS E DA GRADUAÇÃO DAS PRAÇAS, COMO EFEITO SECUNDÁRIO DA CONDENAÇÃO, NÃO IMPEDE A ANÁLISE DO FATO E A POSTERIOR DELIBERAÇÃO SOBRE A PERDA DO POSTO, PATENTE OU GRADUAÇÃO PELO TRIBUNAL MILITAR ESTADUAL, ONDE HOUVER, OU PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, EM PROCEDIMENTO ESPECÍFICO, À LUZ DO ART. 125, § 4º, DA CF/1988, BEM COMO DOS VALORES E DO PUNDONOR MILITARES, INDEPENDENTEMENTE DA NATUREZA COMUM OU MILITAR DO CRIME COMETIDO. IMPROVIMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO, COM FIXAÇÃO DE TESE. 1. A perda da graduação das praças pode ser decorrente de decretação da perda do cargo público militar, por força de condenação criminal pela prática de crimes de natureza comum (art. 92, I, b, do Código Penal) ou de natureza militar (art. 102, do Código Penal), bem como pode ser decretada no âmbito do procedimento administrativo militar, ocasiões em que há a dispensabilidade de procedimento jurisdicional específico
Indenização em dinheiro das férias e licenças-prêmio do servidor público

1. O que é a licença-prêmio A licença-prêmio é um benefício concedido aos servidores públicos estatutários, consistente na obtenção de um período de folgas remuneradas, em compensação à sua assiduidade no serviço, nos termos previstos em lei. No Estado de São Paulo, o benefício está previsto no art. 209 da Lei nº 10.261/68 que estabelece aos servidores públicos civis e militares, em suma, o direito “à licença de 90 (noventa) dias em cada período de 5 (cinco) anos de exercício ininterrupto, em que não haja sofrido qualquer penalidade administrativa”. A rigor, portanto, o servidor público pode acumular ao longo do seu tempo de atividade funcional, períodos de licença-prêmio não usufruídos ou usufruí-los, conforme seu interesse e conveniência da administração pública. Ocorre que, ao se aposentar, o servidor possui, muitas vezes, períodos de licença-prêmio não gozadas e, nesses casos, surge um questionamento. O servidor público que não usufruiu os afastamentos regulares a que tinha direito durante o serviço ativo na administração pública, pode requerê-los judicialmente na inatividade? Caso seja possível, o direito do servidor prevalece mesmo nos casos em que não houve qualquer negativa da administração pública para que ele usufruísse do seu direito aos afastamentos? Não se discute que os períodos de licença-prêmio integralizados nos termos da legislação em vigor passam a integrar o patrimônio do servidor público. Contudo, a própria Lei nº 10.261/68 – com alterações da Lei Complementar nº 1.048/2008 -, em seu art. 213, inc. II, estabelece que o requerimento do benefício deve ocorrer até “o implemento das condições para a aposentadoria voluntária”. E mais, no mesmo art. 213, § 2º, definiu-se que”a apresentação de pedido de passagem à inatividade, sem a prévia e oportuna apresentação do requerimento de gozo, implicará perda do direito à licença-prêmio“. Nesse sentido, a lei de regência pressupõe que o servidor público requeira o gozo da licença-prêmio antes ou simultaneamente ao seu pedido de aposentadoria voluntária. 2. Diferença entre aquisição e fruição do direito Há que se distinguir, entretanto, duas situações: a aquisição do direito e o efetivo gozo do direito – in casu, da licença-prêmio. A aquisição do direito à licença-prêmio ocorre com o decurso do tempo de 5 anos sem que o servidor incorra em qualquer causa de interrupção do serviço, nos termos legais. Reconhecidas as condições necessárias à aquisição do direito, a licença-prêmio é concedida pela administração pública através de publicação oficial, independentemente de requerimento do servidor público (art. 212 da Lei nº 10.261/68) O gozo da licença-prêmio, por sua vez, é a efetiva fruição do direito adquirido pelo servidor, “observada a opção do funcionário e respeitado o interesse do serviço” (art. 213, § 1º, “2”). 3. Indenização da licença-prêmio não usufruída A questão fundamental que se coloca, portanto, é se não apresentado qualquer pedido de gozo da licença-prêmio adquirida e, inativando-se o servidor público, perde-se o direito legalmente conquistado. A resposta é NÃO. O servidor público inativo que tenha licenças-prêmios – além de férias ou qualquer outro afastamento regular – não perde o direito já reconhecido mas não usufruído. Por razões óbvias, uma vez aposentado, inexiste a possibilidade de gozo desses direitos. Contudo, remanesce intacto o seu direito e a possibilidade de indenização em pecúnia pela Fazenda Pública, sob pena de enriquecimento sem causa por parte do Estado, independentemente do motivo da não fruição. Nesse sentido: AÇÃO ORDINÁRIA – INDENIZAÇÃO POR LICENÇA PRÊMIO E FÉRIAS NÃO GOZADAS – POLICIAL MILITAR REFORMADO – DIREITO À FÉRIAS NÃO COMPROVADO. Se o servidor público em atividade deixou de gozar licença-prêmio que lhe era devida, é lícito concluir que tem de ser ressarcido pela importância em pecúnia correspondente àquele direito do qual não usufruiu – Acaso assim não fosse, seria hipótese de enriquecimento sem causa por parte da Administração Pública – Verba de caráter indenizatório sobre a qual não incide desconto previdenciário e nem retenção de Imposto de Renda – Recursos parcialmente providos”. ( Apelação/Reexame Necessário nº 0007532-17.2010.8.26.0053, 7ª Câmara de Direito Público do TJSP, Rel. Luiz Sérgio Fernandes de Souza. j. 16.05.2011, DJe 31.05.2011). Importante observar que o valor das prestações deve ser calculado com base nos vencimentos vigentes na data da aposentadoria (art. 3º da Lei Complementar 1.048/2008). 4. Prescrição do direito à licença-prêmio ou férias Ainda, que a contagem do período prescricional de ação judicial em face da Fazenda Pública – ou seja, o período no qual o servidor público pode requerer seus direitos que, em regra, é de 5 anos, nos termos do Decreto nº 20.910/32 – só tem início a partir da data de aposentadoria. Nesse sentido: […] A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que com a aposentadoria do servidor, tem início o prazo prescricional do seu direito de pleitear a indenização referente à licença-prêmio não gozada, conforme julgamento submetido ao regime dos recursos repetitivos no REsp 1.254.456/PE, de relatoria do Min. Benedito Gonçalves (DJe 02.05.2012). III – Antes da aposentação não há falar em prazo prescricional, porquanto o servidor em atividade não faz jus à conversão da licença prêmio em pecúnia, pois a regra é que a licença seja usufruída, ou mesmo contada em dobro para aposentadoria, surgindo a pretensão à indenização somente se não utilizada de nenhuma dessas formas, sob pena de enriquecimento da Administração […] ( AgInt no REsp n. 1.956.292/MG, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 22/8/2022, DJe de 24/8/2022.) 5. Conclusão Portanto, se você é funcionário público já aposentado ou em vias de se aposentar, analise concretamente a possibilidade de converter o seu direito não usufruído em indenização pecuniária, de modo a não abdicar de um benefício já incorporado ao seu patrimônio jurídico. #policialmilitar #licença-prêmio #férias #indenização #servidorpúblico
Da verdade real no Processo Disciplinar Militar

O princípio da verdade real, ainda que comumente referido e até “conhecido” pelos aplicadores do direito na seara administrativa disciplinar, é pouco aplicado na sua totalidade e essência. Assim, importa-nos definir com clareza seu alcance e conteúdo. 1. Considerações iniciais Embora o princípio da verdade real seja frequentemente mencionado e até mesmo conhecido pelos profissionais do direito que lidam com questões administrativas disciplinares é raramente aplicado em sua totalidade e essência. Diferentemente do que ocorre no campo penal, em que as figuras do acusador e do julgador são distintas, no processo sancionador elas se confundem na própria Administração. O chamado “procedimento de ofício” [1], mesmo não sendo considerado inconstitucional na atual sistemática jurídica disciplinar mostra-se, no mínimo, questionável, na medida em que possibilita aos administradores mais desavisados ou mal intencionados, comodidade suficiente para burlar direitos e garantias individuais. Por mais que se argumente acerca da possibilidade de recurso ao judiciário pela inexistência da coisa julgada administrativa, inegável que fatos como a parcialidade do julgador/acusador, o temor reverencial do acusado em resistir à punição e mesmo a impossibilidade financeira na constituição de um advogado dificultam ou impossibilitam a consecução da justiça no caso concreto. Nestes termos, imprescindível a plena impessoalidade da Administração Pública, que deve fazer atuar, apenas e tão somente, o interesse público primário [2] e nunca um falso interesse público. Por sua vez, incontestável que no Estado Democrático de Direito, o interesse público vem consubstanciado pelas leis, editadas pelos representantes do povo no poder legislativo e que expressam, em última instância, a soberania popular. Assim, dizer que o processo administrativo disciplinar fundamenta-se na busca da verdade real deve significar, sem eufemismos, que a Administração “não se contente com a verdade formal, aprofundando-se na pesquisa do ocorrido”. [3] 2. Direito Administrativo Disciplinar, Direito Penal e Princípios Constitucionais O Direito Administrativo Disciplinar não se confunde com o Direito Penal. Ainda que o jus puniendi estatal aparente ser único, sugerindo que sanções disciplinares e pena criminal só se diferenciem no seu grau de reprimenda, não se deve conceber a adoção de regime jurídico idêntico. A rigor, origem comum e garantias constitucionais são parâmetros que delimitam abordagens jurídicas semelhantes em alguns pontos, o que não significa igualdade substancial entre ilícito administrativo e penal. Nestes termos é que se concebe, no processo administrativo disciplinar, a tipicidade mitigada das transgressões, a prescindibilidade da defesa técnica, a inexistência da coisa julgada administrativa, o formalismo moderado etc., diferentemente do que ocorre na seara processual penal. Destarte, os objetivos do direito administrativo disciplinar: estão intimamente vinculados à busca de interesses gerais e públicos, o que impede uma contaminação penalista ‘inspirada exclusivamente por la obsesión de las garantias individuales [4] Alguns princípios constitucionais, porém, vinculam a atuação administrativa sancionadora e, desta feita, impõem ao rito processual disciplinar características semelhantes ao que ocorre no campo penal: observância da legalidade, da moralidade, impessoalidade, do contraditório, da ampla defesa, da culpabilidade do agente, do devido processo legal, do non bis in idem, da segurança jurídica etc. Ainda que a verdade real não seja princípio constitucional explícito para o processo administrativo, não há que se discutir sua inevitável adoção, mormente no campo disciplinar, como natural decorrência de preceitos de estatura constitucional – moralidade, dignidade da pessoa humana, impessoalidade, segurança jurídica etc. Nestes termos, a verdade real ou material decorre de formulação doutrinária, jurisprudencial e legal, adotada em larga medida no regime disciplinar pátrio. Em suma, há que se concluir que o fato do princípio da verdade real ser adotado igualmente no processo administrativo disciplinar e no processo penal, não significa que devamos seguir, em regra e por similaridade substancial, os preceitos da norma adjetiva criminal. Porém, fundado na observância dos princípios constitucionais, a adoção da verdade real no processo sancionador é medida de justiça, voltada á segurança jurídica e à preservação da dignidade da pessoa humana. 3. Verdade Real no processo administrativo disciplinar militar Na lição de Odete Medauar (2000, p. 204), a verdade real: … exprime que a Administração deve tomar decisões com base nos fatos tais como se apresentam na realidade, não se satisfazendo com a versão oferecida pelos sujeitos. Para tanto, tem o direito e o dever de carrear para o expediente todos os dados, informações, documentos a respeito da matéria tratada, sem estar jungida aos aspectos suscitados pelos sujeitos. Diferentemente do processo civil, em que as pretensões pairam, em regra, sobre direitos disponíveis, na seara administrativa, assim como na penal, não se descura da indisponibilidade dos direitos envolvidos, fato que aproxima suas abordagens jurídicas. Mormente no campo disciplinar militar, em que a própria liberdade do administrado está em jogo, não se deve conceber que o acusado possa, por quaisquer razões, ser punido sem que a Administração se convença da verdade real que permeia os fatos. Nestes termos, verifiquemos o alcance prático deste princípio: 4. Conclusão Entendido e aplicado adequadamente o princípio da verdade real na seara disciplinar militar, ter-se-á plena legitimidade democrática nas eventuais sanções impostas ao administrado. Fora disso, lembrando o gravame de restringir a liberdade do militar em decorrência destas sanções, só restará o arbítrio. #direitomilitar #processodisciplinar #defesadisciplinar #policialmilitar Referências [1] MAZZILI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público. Ed. Saraiva, São Paulo, 1997, p. 82 e 106. [2] Renato Alessi, doutrinador italiano, distinguiu a existência de dois interesses públicos: os chamados interesse público primário e o interesse público secundário. Tem-se como interesse público primário os interesses reais do Estado, expressos juridicamente através das leis. Entende-se como interesse público secundário aquele que se distancia das finalidades públicas concretas; ocorre quando o agente estatal, travestido de guardião do bem comum, passa a agir buscando um interesse particular seu, que não mais se confunde com o interesse público. [3] LAZZARINI, A. Do procedimento administrativo. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, 212: 71-87, abr./jun. 1998. [4] OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. Ed. RT, São Paulo, 2000, p. 119. [5] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 19ª ed. Ed. Malheiros, São Paulo, 1994.