Da idoneidade moral para o exercício da advocacia e da exclusão do advogado por inidoneidade

A advocacia é uma profissão que transcende a mera técnica jurídica. Envolve a guarda de valores fundamentais para a justiça e a democracia, exigindo de seus profissionais não apenas competência, mas integridade moral. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), como guardiã desses princípios, estabelece a idoneidade ética como requisito indispensável para o registro inicial e como condição para a permanência do advogado no exercício profissional. Introdução A idoneidade ética representa um dos fundamentos mais relevantes do exercício profissional da advocacia, sendo concebida não apenas como um requisito formal de habilitação, mas como expressão de um compromisso ético que permeia toda a trajetória do advogado, desde o seu ingresso nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) bem como sua conduta ao longo do exercício profissional.Trata-se de um conceito que, embora previsto de forma normativa na legislação específica da advocacia — especialmente no artigo 8º, inciso VI, da Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia e da OAB – EAOAB) —, adquire contornos interpretativos complexos, em razão de sua natureza eminentemente valorativa. Além dessa dificuldade inicial diante da previsão legal vaga e indeterminada, tem-se a existência de procedimentos diferentes no que tange ao momento específico em que é suscitada eventual inidoneidade: se no processo de inscrição do bacharel nos quadros da OAB, tem-se a possibilidade de um processo incidente de inidoneidade. Contudo, caso se trate de advogado no exercício profissional e, portanto, com idoneidade, o reconhecimento da inidoneidade é sanção disciplinar punível com exclusão do advogado dos quadros profissionais da OAB. Fundamento constitucional e legal da idoneidade ética O acesso à advocacia é regulado por um triplo filtro: formação acadêmica, aprovação no Exame de Ordem e idoneidade moral (art. 8º, EAOAB). Enquanto os dois primeiros critérios são objetivos, a avaliação da idoneidade envolve uma análise subjetiva, porém rigorosa, da conduta do candidato. A exigência de idoneidade moral como requisito para o exercício da advocacia encontra sustentação não apenas na legislação infraconstitucional, mas também em fundamentos constitucionais mais amplos, vinculados aos princípios da moralidade administrativa e da dignidade da pessoa humana. Tais princípios são pilares da atuação profissional no Estado Democrático de Direito e refletem a compreensão de que o advogado, embora profissional liberal, exerce função essencial à administração da justiça, conforme consagra o artigo 133 da Constituição da República de 1988. Do ponto de vista legal, o Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/1994) estabelece de forma inequívoca, em seu artigo 8º, inciso VI, que constitui condição para inscrição como advogado a apresentação de “idoneidade moral”. Trata-se de um requisito de natureza subjetiva, cuja avaliação cabe à seccional da OAB onde o pedido é protocolado, por meio da respectiva Comissão de Seleção. O legislador, ao não estabelecer critérios taxativos ou objetivos para a aferição da idoneidade, delegou à Ordem dos Advogados do Brasil a tarefa de desenvolver parâmetros interpretativos que orientem essa análise, observando os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. O conteúdo jurídico do conceito de “idoneidade moral” é tema de recorrente debate doutrinário. Parte significativa da doutrina entende que ele deve ser compreendido à luz da conduta social e profissional do requerente, considerando não apenas registros criminais, mas também sua reputação no meio em que vive, seu comportamento ético em outras atividades e seu histórico de relacionamento com instituições e terceiros. Sobre a idoneidade moral, afirma Paulo Lôbo: é um conceito indeterminado (porém determinável), cujo conteúdo depende da mediação concretizadora do Conselho competente, em cada caso. Os parâmetros não são subjetivos, mas decorrem da aferição objetiva de standards valorativos que se captam na comunidade profissional, no tempo e no espaço, e que contam com o máximo de consenso na consciência jurídica. De maneira geral, não são compatíveis com a idoneidade moral atitudes e comportamentos imputáveis ao interessado, que contaminarão necessariamente sua atividade profissional, em desprestígio da advocacia. (LÔBO, 2025, p. 112) A ausência de condenações judiciais não é, por si só, garantia de idoneidade, do mesmo modo que a existência de procedimento judicial ainda não concluído não pode servir automaticamente como prova de inidoneidade, sob pena de violação ao princípio da presunção de inocência. Nesse sentido, a jurisprudência do Conselho Federal da OAB tem reiteradamente afirmado que a idoneidade deve ser aferida de forma ampla, com base em critérios razoáveis e proporcionais, sempre assegurando ao interessado o direito à defesa. RECURSO 2009.08.08704-05/SCA-STU. Rcte.: M.S.C.B. (Advs.: Cláudio Juarez Villanova Camboim OAB/RS 35153 e Outros). Rcdo.: Conselho Seccional da OAB/Rio Grande do Sul. Rel.: Conselheiro Federal Francisco de Assis Guimarães Almeida (RR). Rel. para o acórdão: Conselheiro Federal Durval Julio Ramos Neto (BA). EMENTA 281/2010/SCA – STU. A idoneidade moral, mais do que uma condição de ingresso no quadro da ordem, é uma permanente exigência na vida do advogado, mas para excluir o advogado do exercício da advocacia é necessário o quorum qualificado de dois terço exigido pelo art. 38, Parágrafo único, do EAOAB, e art. 108 do Regulamento Geral. Recurso Conhecido e dado provimento para decretar anulação do julgamento proferido pelo Conselho Seccional com a realização de novo julgamento, observando o quórum legal. ACÓRDÃO: vistos, relatados e discutidos estes autos acordam os integrantes da 2ª Turma da Segunda Câmara do CFOAB, por maioria de votos, em conhecer e dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator para o Acórdão. Brasília, 16 de novembro de 2010. Paulo Roberto de Gouvêa Medina, Presidente da 2ª Turma da Segunda Câmara. Durval Julio Ramos Neto, Relator para o Acórdão. (DJ. 21/12/2010, p. 42). Ao mesmo tempo, reforça-se a responsabilidade institucional da OAB na proteção da imagem da advocacia, assegurando que apenas aqueles que efetivamente demonstrem conduta compatível com os valores éticos da profissão ingressem em seus quadros. Complementarmente, o Código de Ética e Disciplina da OAB (Resolução n. 02/2015), embora voltado principalmente à conduta dos advogados já inscritos, reforça o compromisso ético que se espera de todos os integrantes da classe, desde o ingresso. A ética profissional é, portanto, não apenas um valor normativo, mas uma exigência contínua, que acompanha o advogado durante toda sua trajetória