1. A Reabilitação como direito do advogado excluído
A exclusão dos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil representa uma das penalidades mais severas no âmbito do processo ético disciplinar. Suas repercussões não se limitam ao exercício profissional, mas afetam profundamente a dignidade, o sustento e a própria identidade do advogado.
Contudo, o ordenamento jurídico brasileiro não concebe essa sanção como definitiva ou perpétua. A legislação garante, de maneira expressa, o direito à reabilitação disciplinar, permitindo que o advogado punido possa reconstruir sua trajetória profissional, desde que atendidos os requisitos legais.
Portanto, a reabilitação não é um favor, não é uma liberalidade da OAB e tampouco um instituto discricionário. Trata-se de um direito subjetivo do advogado, que encontra respaldo no próprio Estatuto da Advocacia e nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade, da razoabilidade e do devido processo legal.
Sua natureza jurídica é de ato administrativo declaratório, que reconhece a cessação dos efeitos negativos da sanção anteriormente aplicada, permitindo o retorno do profissional ao exercício da advocacia.
Nesse sentido, a reabilitação possui dupla finalidade: (i) assegurar o sigilo dos registros sobre o processo e a condenação disciplinar; e (ii) suspender os efeitos da condenação para fins de reincidência e antecedentes.
Isso significa que, uma vez reabilitado, o advogado não terá contra si, por exemplo, a utilização da condenação anterior para fins de agravamento de eventuais sanções futuras, além de poder disputar cargos eletivos na OAB, direito que seria obstado pela existência de condenação disciplinar não reabilitada.
2. Fundamentos normativos da reabilitação disciplinar
A reabilitação disciplinar do advogado encontra seu fundamento legal primário no artigo 41 da Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia e da OAB – EAOAB), que estabelece:
Art. 41. É permitido ao que tenha sofrido qualquer sanção disciplinar requerer, um ano após seu cumprimento, a reabilitação, em face de provas efetivas de bom comportamento.
Parágrafo único. Quando a sanção disciplinar resultar da prática de crime, o pedido de reabilitação depende também da correspondente reabilitação criminal.
Esse artigo trata, genericamente, da possibilidade de reabilitação em razão da condenação por qualquer transgressão disciplinar, incluindo, portanto, aquelas apenadas com exclusão.
Complementando essa previsão, as regulamentações do Código de Ética e Disciplina da OAB – CEDOAB (Resolução nº 02/2015 do Conselho Federal da OAB) e dos Regimentos Internos dos Tribunais de Ética e Disciplina das Seccionais, como o da OAB/SP, que detalham os procedimentos e requisitos específicos para o processamento do pedido de reabilitação. Nesse sentido, o disposto no CEDOAB:
Art. 69. O advogado que tenha sofrido sanção disciplinar poderá requerer reabilitação, no prazo e nas condições previstos no Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (art. 41).
§ 1º A competência para processar e julgar o pedido de reabilitação é do Conselho Seccional em que tenha sido aplicada a sanção disciplinar. Nos casos de competência originária do Conselho Federal, perante este tramitará o pedido de reabilitação.
§ 2º Observar-se-á, no pedido de reabilitação, o procedimento do processo disciplinar, no que couber.
§ 3º O pedido de reabilitação terá autuação própria, devendo os autos respectivos ser apensados aos do processo disciplinar a que se refira.
§ 4º O pedido de reabilitação será instruído com provas de bom comportamento, no exercício da advocacia e na vida social, cumprindo à Secretaria do Conselho competente certificar, nos autos, o efetivo cumprimento da sanção disciplinar pelo requerente.
§ 5º Quando o pedido não estiver suficientemente instruído, o relator assinará prazo ao requerente para que complemente a documentação; não cumprida a determinação, o pedido será liminarmente arquivado.
Por sua vez, as regras estabelecidas pelo Regimento Interno do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP – RITEDOABSP:
Art. 98. Deferida a reabilitação, a condenação ou condenações reabilitadas não serão mencionadas na folha de antecedentes do reabilitado nem em certidão extraída dos livros.
Art. 99. A reabilitação nas hipóteses de exclusão servirá de prova para novo pedido de inscrição (art. 11, § 3º, EAOAB).
3. Requisitos legais e documentação necessária para o processo de reabilitação
De acordo com a legislação vigente e a jurisprudência consolidada do Conselho Federal da OAB, são dois os requisitos fundamentais para a concessão da reabilitação disciplinar:
- Requisito objetivo: decurso do prazo de 01 (um) ano após o cumprimento integral da sanção disciplinar. Esse é um requisito de fácil comprovação. O advogado deve apresentar a certidão expedida pela Seccional da OAB atestando a data do cumprimento da sanção (baixa na inscrição, no caso de exclusão, ou encerramento do período de suspensão, no caso de suspensão disciplinar).
- Requisito subjetivo: apresentação de provas efetivas de bom comportamento durante o período posterior ao cumprimento da sanção. Aqui reside o aspecto mais sensível do processo. O conceito de bom comportamento é jurídico, mas também valorativo, exigindo demonstrações objetivas de que o advogado manteve conduta social e profissional ilibada durante o período subsequente ao cumprimento da pena. Como documentos comprobatórios dessa condição podem ser citados: certidões negativas criminais; certidões negativas da própria OAB; declarações de idoneidade e boa conduta firmadas por advogados, empregadores ou autoridades; comprovação de ocupação lícita durante o período de exclusão; comprovação de atividades de aprimoramento profissional e social, dentre outras.
Importante ressaltar que o requisito subjetivo de bom comportamento deve ser interpretado de forma restritiva, evitando-se grau elevado de discricionaridade do julgador de modo a tornar inviável a reabilitação:
Recurso n. 16.0000.2022.000067-9/SCA-PTU.
Recorrente: F.L.M. (Advogado: Fabrício Lazarin Maronez OAB/PR 62.535). Recorrido: Conselho Seccional da OAB/Paraná. Relator: Conselheiro Federal Ulisses Rabaneda dos Santos (MT). EMENTA N. 114/2023/SCA-PTU. Recurso ao Conselho Federal da OAB. Artigo 75, caput, do Estatuto da Advocacia e da OAB. Acórdão unânime do Conselho Seccional da OAB/Paraná. Pedido de reabilitação. Artigo 41 do Estatuto da Advocacia e da OAB. Demonstração dos requisitos previstos na norma. Reabilitação deferida. Recurso provido. 01) O artigo 41 do Estatuto da Advocacia e da OAB dispõe que poderá ser requerida a reabilitação após o transcurso de lapso temporal de 01 (um) ano após o cumprimento da sanção disciplinar imposta, em face de provas de bom comportamento. Percebe-se, pela normativa legal, que são 02 (dois) os requisitos para a reabilitação disciplinar: um requisito de natureza objetiva, consistente no decurso do prazo de 01 (um) ano após o cumprimento da sanção disciplinar; e um requisito de natureza subjetiva, consistente nas provas efetivas de bom comportamento. 02) A seu turno, o requisito subjetivo provas efetivas de bom comportamento, deve ser interpretado de forma restritiva, evitando-se que a excessiva margem de discricionariedade do julgador torne inviável a pretensão de reabilitação disciplinar. É dizer, o bom comportamento se presume, devendo ser fundamentada a decisão para afastá-lo. 03) Não obstante, para efeitos de bom comportamento, considera-se eventuais fatos praticados pela parte requerente dentro do lapso temporal de 01 (um) ano do cumprimento da sanção disciplinar à qual requer a reabilitação. Ou seja, somente se poderá afastar a presunção de bom comportamento se houver prova de que, durante o período depurador de 01 (um) ano vier a parte requerente a praticar novas condutas que afastem a presunção do bom comportamento, de modo que não podem ser valoradas – como assim o foi pela decisão recorrida – fatos e circunstâncias anteriores a esse período. 04) Recurso provido, para reformar o acórdão recorrido e deferir a reabilitação disciplinar do advogado no Processo Disciplinar n. 3.920/2016. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os autos do processo em referência, acordam os membros da Primeira Turma da Segunda Câmara do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, observado o quorum exigido no art. 92 do Regulamento Geral, por unanimidade, em dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Brasília, 18 de agosto de 2023. Marina Motta Benevides Gadelha, Presidente. Cláudia Lopes Medeiros, Relatora ad hoc.
Isso significa que, embora o ônus da prova do bom comportamento recaia sobre o requerente, há uma presunção relativa em seu favor, que só pode ser afastada mediante prova em contrário. Além disso, para efeitos de avaliação do bom comportamento, consideram-se apenas eventuais fatos praticados pelo requerente dentro do lapso temporal de um ano após o cumprimento da sanção disciplinar, não podendo ser valorados fatos e circunstâncias anteriores a esse período.
4. Do processo de reabilitação
O procedimento tramita perante o Tribunal de Ética e Disciplina da Seccional em que foi aplicada a sanção disciplinar.
O processo tem início com a protocolização da petição de reabilitação, dirigida ao Presidente do TED, devidamente instruída com todos os documentos comprobatórios dos requisitos legais. A petição deve apresentar uma narrativa clara dos fatos, da conduta atual do requerente e da satisfação dos requisitos legais.
Após a distribuição, o TED designa um relator, que realiza a análise dos requisitos formais e materiais, podendo determinar diligências, solicitar documentos complementares e, se necessário, ouvir testemunhas. Concluída a instrução, o relator elabora seu voto e o submete ao julgamento colegiado da Turma Disciplinar competente, que delibera por maioria simples.
Se deferido, o advogado recebe o ato de reabilitação, podendo, então, protocolar o pedido de reinscrição nos quadros da OAB, observadas as exigências administrativas de praxe (prova de regularidade fiscal, pagamento das taxas, atualização cadastral, etc.).
Em caso de indeferimento, cabe recurso ao Conselho Seccional e, subsidiariamente, ao Conselho Federal da OAB, nos termos do artigo 76 do Código de Ética e Disciplina da OAB (CEDOAB).
Importante destacar que, conforme jurisprudência pacífica do Conselho Federal da OAB, o julgamento do pedido de reabilitação deve se limitar a avaliar os requisitos do artigo 11 do Estatuto, não sendo possível, sob qualquer pretexto, reabrir o mérito da infração originária.
5. A reabilitação como instrumento de dignidade e esperança de um recomeço
O processo de reabilitação disciplinar é a expressão concreta da possibilidade de recomeço no exercício da advocacia. A exclusão dos quadros da OAB, embora severa, não é perpétua nem definitiva, desde que cumpridos os requisitos legais.
Ao prever o instituto da reabilitação, o ordenamento jurídico reafirma os princípios da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade, da proporcionalidade e da valorização do trabalho como meio de integração social.
É fundamental que o advogado que busca sua reabilitação esteja plenamente ciente de que esse é um direito garantido pela Lei nº 8.906/1994, e não um favor da instituição. Por isso, cabe a esse profissional assumir o protagonismo de sua própria história, munindo-se de documentação robusta, de uma narrativa ética, coerente e verdadeira, e, se necessário, buscar o auxílio de profissional especializado no contencioso ético disciplinar.