Aspectos jurídicos das provas de conhecimento nos concursos públicos

Os concursos públicos são mecanismos essenciais para a seleção de servidores que irão compor o quadro da administração pública. Dentre as etapas que compõem um concurso, destacam-se as provas objetivas e as questões abertas, cada uma com suas particularidades e desafios.

As provas objetivas são caracterizadas por questões de múltipla escolha, enquanto as questões abertas exigem respostas discursivas, permitindo uma avaliação mais aprofundada do conhecimento e das habilidades dos candidatos.

Do controle judicial nos concursos públicos

Inicialmente, importante enfatizar que a regra é que as bancas examinadoras dos concursos públicos tenham autonomia para, em conformidade com a lei e as regras do edital, formularem questões objetivas ou subjetivas de acordo com seu próprio entendimento. Nesses termos, não cabe ao Poder Judiciário substituir, simplesmente, o parecer da banca, pelo sua avaliação sobre as questões. Nesse sentido:

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. CONCURSO PÚBLICO. PROVA DISSERTATIVA. PEÇA PROCESSUAL. ESPELHO DE CORREÇÃO. CRITÉRIOS SUBJETIVOS. IMPOSSIBILIDADE. PODER JUDICIÁRIO. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA. RE 632.853/CE. 1. “Não compete ao Poder Judiciário, no controle de legalidade, substituir banca examinadora para avaliar respostas dadas pelos candidatos e notas a elas atribuídas. (…) Excepcionalmente, é permitido ao Judiciário juízo de compatibilidade do conteúdo das questões do concurso com o previsto no edital do certame. (RE 632.853/CE, Relator: Min. Gilmar Mendes) 2. Não cuidando o caso concreto da exceção porque voltada a pretensão aos critérios adotados como paradigma de correção, aplica-se a regra geral de não intromissão do Judiciário na seara do mérito administrativo. 3. Recurso ordinário em mandado de segurança não provido.

(STJ – RMS: 58298 MS 2018/0194690-3, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 18/09/2018, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 21/09/2018)

Há casos, entretanto, em que o controle judicial mostra-se indispensável, a fim de corrigir desvios de legalidade, razoabilidade ou proporcionalidade na elaboração das questões do certame.

ADMINISTRATIVO. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA CONCURSO PÚBLICO. CONTROLE JURISDICIONAL. ANULAÇÃO DE QUESTÃO OBJETIVA. POSSIBILIDADE. LIMITE. VÍCIO EVIDENTE. PRECEDENTES. PREVISÃO DA MATÉRIA NO EDITAL DO CERTAME. 1. É possível a anulação judicial de questão objetiva de concurso público, em caráter excepcional, quando o vício que a macula se manifesta de forma evidente e insofismável, ou seja, quando se apresente primo ictu oculi. Precedentes. 2. Recurso ordinário não provido.

(STJ – RMS: 28204 MG 2008/0248598-0, Relator: Ministra ELIANA CALMON, Data de Julgamento: 05/02/2009, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/02/2009)

Erros grosseiros

As provas objetivas são amplamente utilizadas em concursos públicos devido à sua praticidade e à possibilidade de correção automatizada. Essas provas são compostas por questões de múltipla escolha, onde os candidatos devem selecionar a alternativa correta dentre várias opções. Essa modalidade de prova é valorizada por sua objetividade, uma vez que a correção é baseada em critérios claros e definidos previamente, o que reduz a margem de erro e subjetividade na avaliação.

No entanto, um dos problemas mais frequentes nas provas objetivas é a formulação de questões ambíguas ou mal elaboradas. Questões com enunciados confusos ou com múltiplas interpretações podem prejudicar os candidatos, que podem ter o conhecimento necessário, mas não conseguem identificar a resposta correta devido à ambiguidade da questão.

Além disso, questões com erros de formulação podem ser anuladas, levando à recontagem de pontos e, em casos extremos, à necessidade de reaplicação da prova. Essas situações geram transtornos tanto para os candidatos quanto para a administração pública, comprometendo a eficiência do processo seletivo.

A jurisprudência brasileira já enfrentou diversas situações envolvendo a anulação de questões em concursos públicos. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem decidido que a anulação de questões deve ser uma medida excepcional e que as bancas examinadoras possuem discricionariedade técnica na formulação e correção das provas.

No entanto, essa discricionariedade não é absoluta e deve respeitar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Decisões judiciais frequentemente determinam a anulação de questões quando fica comprovada a existência de erro grosseiro ou flagrante.

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. CARGO DE FISCAL DE RENDA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. A ANÁLISE DA POSSIBILIDADE DE ANULAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO DE QUESTÃO DE CONCURSO PÚBLICO SE RELACIONA COM O CONTROLE DE LEGALIDADE. QUESTÃO COM POSSIBILIDADE DE DUAS RESPOSTAS CORRETAS. RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO. 1. Não compete ao Poder Judiciário apreciar critérios de formulação e correção das provas, em respeito ao princípio da separação de poderes, tendo ressalvado os casos de flagrante ilegalidade de questão objetiva de concurso público e ausência de observância às regras do edital, em que se admite a anulação de questões por aquele Poder, como forma de controle da legalidade. 2. A análise pelo Poder Judiciário da adequação de questão objetiva em concurso público não se relaciona com o controle do mérito do ato administrativo mas com o controle da legalidade e a incapacidade ou a impossibilidade de se aceitar que, em uma prova objetiva, figurem duas questões que são, ao mesmo tempo corretas, ou que seriam, ao mesmo tempo, erradas. 3. Recurso Ordinário provido para anular a Questão n. 90, atribuindo a pontuação que lhe corresponde, qualquer que seja, a todos os competidores, nesse certame, independentemente de virem a ser aprovados ou não e de virem a obter classificação melhor.

(STJ – RMS: 39635 RJ 2012/0247355-8, Relator: Ministro BENEDITO GONÇALVES, Data de Julgamento: 05/06/2014, T1 – PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/10/2014)

Exigência de parâmetros objetivos de correção

A ausência de divulgação dos critérios de correção e a impossibilidade de interposição de recursos podem ser considerados uma violação aos princípios da publicidade e da ampla defesa, garantidos pela Constituição Federal. 

O STJ tem se manifestado sobre a importância da transparência nos concursos públicos, ressaltando que os candidatos têm direito ao acesso aos critérios de correção e à interposição de recursos administrativos. Em diversos acórdãos, o tribunal tem enfatizado que a publicidade e a motivação dos atos administrativos são princípios fundamentais da administração pública, que devem ser observados para garantir a lisura e a legitimidade dos concursos.

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. ESPELHO DE CORREÇÃO. PADRONIZAÇÃO GENÉRICA. INVIABILIDADE DE IMPUGNAÇÃO. MOTIVAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO. TRANSPARÊNCIA. INTEMPESTIVIDADE. FERIADO LOCAL. LEI ORGÂNICA DO TJDFT. LEI FEDERAL. NÃO OCORRÊNCIA. 1. Os feriados dispostos por lei federal aos tribunais do Poder Judiciário da União, o que inclui o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, não são considerados locais. 2. É indispensável que o espelho de correção de provas de concurso público seja transparente e contenha motivação clara, apta a viabilizar eventual impugnação pelos candidatos, hipótese que não se verifica no caso. 3. A invocação de jurisprudência há muito decaída do extinto TFR, erigida sob o ordenamento constitucional anterior, ou de tribunais ordinários não socorre a parte agravante. O direito evolui e são os tribunais ordinários que devem observar a compreensão do direito emanada das instâncias excepcionais, dados seus papeis institucionais. 4. Agravo interno a que se nega provimento.

(STJ – AgInt no RMS: 52691 DF 2016/0323317-6, Data de Julgamento: 13/06/2022, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/06/2022)

 A ausência de critérios claros e objetivos para a correção das questões abertas pode resultar em notas discrepantes para respostas de qualidade similar, gerando insatisfação e questionamentos por parte dos candidatos. A falta de fundamentação nas notas atribuídas é outro problema comum. Muitos candidatos relatam que não recebem feedback adequado sobre os motivos pelos quais suas respostas foram consideradas incorretas ou insuficientes, o que impede que compreendam seus erros e possam melhorar em futuras oportunidades.

Mais uma vez, há que se enfatizar que, embora exista uma margem de subjetividade inerente à avaliação das questões discursivas, os examinadores devem seguir critérios objetivos e claros, previamente divulgados, para minimizar a subjetividade e garantir a equidade na avaliação. A ausência de critérios objetivos pode levar à anulação das notas atribuídas e à determinação de nova correção, com base em parâmetros claros e definidos.

ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO PARA JUIZ DE DIREITO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO DA BANCA EXAMINADORA ACERCA DOS CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO UTILIZADOS PARA A CORREÇÃO DA PROVA DE SENTENÇA. VIOLAÇÃO DO ART. 50 DA LEI 9.784/1999 E AOS PRINCÍPIOS DA PUBLICIDADE, TRANSPARÊNCIA E MOTIVAÇÃO. CONCEDO PARCIALMENTE A ORDEM, A FIM DE DETERMINAR NOVA CORREÇÃO DAS PROVAS, SOMENTE QUANTO AOS IMPETRANTES, COM CRITÉRIOS DE CORREÇÃO PREVIAMENTE ESTABELECIDOS, DIVERGINDO DO MINISTRO RELATOR QUE CONCEDIA INTEGRALMENTE A ORDEM.

(STJ – RMS: 56639 RS 2018/0032223-1, Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Data de Julgamento: 26/03/2019, T1 – PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 09/05/2019)

O mesmo entendimento de critérios claros de correção das questões de concurso aplica-se, obviamente, às provas orais. Nesse sentido, lídimo o direito de recorrer nos casos em que as respostas apresentadas pelo candidato são consentâneas com os parâmetros de correção formulados pela banca. 

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. EDITAL. PROVA ORAL. IRRECORRIBILIDADE. ILEGALIDADE. 1. A consagrada máxima de que “o edital faz lei entre as partes” é a regra, que tem como uma das exceções os casos em que a norma editalícia viola normas de status constitucional. 2. Hipótese em que, ao não prever aos candidatos a possibilidade de interposição de recurso em relação ao resultado da prova oral, a impetrada, no mínimo, ceifou o direito de petição e das garantias do contraditório e da ampla defesa, estampados nos incisos XXXIV, alínea a, e LV, do art. 5º, da Constituição. 3. A jurisprudência desta Corte tem prestigiado o direito de interposição de recurso administrativo por parte do candidato em relação às fases eliminatórias do certame, bem como que tenha conhecimento dos critérios objetivos utilizados pela Administração para pautar sua decisão. Precedentes. 4. Agravo interno não provido.

(STJ – AgInt no RMS: 43823 MG 2013/0325691-0, Relator: Ministro GURGEL DE FARIA, Data de Julgamento: 16/08/2021, T1 – PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/08/2021)

Desrespeito ao edital 

A banca examinadora tem a autonomia para definir os temas e os critérios de avaliação do concurso, os quais devem ser especificados antecipadamente no edital. No entanto, essas decisões se tornam obrigatórias para a banca, tanto na criação quanto na realização da prova. Diante da incompatibilidade de questão formulada pela banca em relação ao rol de matérias elencadas no edital, cabe ao Poder Judiciário eventual controle de legalidade, anulando-a. 

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. TÉCNICO JUDICIÁRIO AUXILIAR. QUESTÃO DE PROVA OBJETIVA. CONTEÚDO. VINCULAÇÃO AO EDITAL. AUSÊNCIA. ANÁLISE. POSSIBILIDADE. 1. O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento no sentido de que a análise de questão objetiva pelo Poder Judiciário está diretamente ligada ao controle da legalidade e da vinculação ao edital do certame, não havendo que se falar em controle do mérito do ato administrativo. 2. Hipótese em que, diante da incompatibilidade do conteúdo da Questão n. 42 da prova objetiva tipo 1 com o exigido no Edital n. 34/2014, não foi respeitado o princípio da vinculação da lei do certame, sendo de rigor sua anulação (da questão). 3. Agravo interno desprovido.

(STJ – AgInt no RMS: 49918 SC 2015/0310906-0, Relator: Ministro GURGEL DE FARIA, Data de Julgamento: 14/10/2019, T1 – PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/10/2019)

No mesmo sentido, o Tema 485 da Repercussão Geral do STF:

Recurso extraordinário com repercussão geral. 2. Concurso público. Correção de prova. Não compete ao Poder Judiciário, no controle de legalidade, substituir banca examinadora para avaliar respostas dadas pelos candidatos e notas a elas atribuídas. Precedentes. 3. Excepcionalmente, é permitido ao Judiciário juízo de compatibilidade do conteúdo das questões do concurso com o previsto no edital do certame. Precedentes. 4. Recurso extraordinário provido.

(STF – RE: 632853 CE, Relator: GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 23/04/2015, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 29/06/2015)

Conclusão

Em síntese, as provas objetivas e as questões abertas são ferramentas indispensáveis na avaliação de candidatos em concursos públicos, cada uma com suas peculiaridades e desafios. A busca pela melhoria contínua desses processos é essencial para garantir a equidade, a transparência e a eficiência na seleção de servidores públicos, contribuindo para a construção de uma administração pública mais justa e competente.

É importante que as bancas examinadoras e os organizadores de concursos estejam atentos às orientações da jurisprudência, assegurando que os princípios constitucionais sejam respeitados em todas as etapas do processo seletivo. Assim, será possível minimizar os problemas jurídicos e assegurar que os melhores candidatos sejam selecionados para servir à sociedade com competência e dedicação.

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Rogério Mello

Rogério Mello

Advogado USP, Professor Universitário, Mestre e Doutor, Especialista em Direito Público e Militar.